Fraude em execução leva terceiro a responder por dívida trabalhista
A 6ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região (TRT-MG), acompanhando voto do desembargador Antônio Fernando Guimarães, acolheu o recurso de agravo de petição interposto por uma reclamante para autorizar que a execução se volte contra um terceiro estranho ao processo (pessoa que não é parte no processo, mas que comprou da executada o imóvel penhorado na execução trabalhista). Foi constatada fraude na venda do imóvel, do qual a executada é usufrutuária vitalícia, ou seja, tem o direito de usar o bem enquanto viver, mas não pode vendê-lo, porque não é proprietária.
O imóvel foi doado pela executada aos seus dois filhos, sendo resguardado o seu usufruto vitalício, gravado na certidão de registro da doação. Essa transação foi considerada legal pela decisão proferida nos embargos de terceiro apresentados na execução pelos filhos menores da executada. Com isso, a penhora foi julgada inválida em 22/11/2006.
Ficou também provado no processo que a venda do imóvel foi autorizada por juiz de Direito em 02/06/2006, porém com determinação expressa de que a importância resultante da venda fosse integralmente depositada à ordem judicial, o que não ocorreu. Após um ano da expedição do alvará (26/07/2007), embora suspensa a venda, esta se concretizou sem que houvesse o depósito à disposição do juiz de Direito, nem houve a comunicação da transação ao juízo da Família.
Três meses depois de invalidada a penhora, o oficial de justiça certifica nos autos que o terceiro estranho ao processo, atual proprietário do imóvel, e sua família estavam lá morando desde dezembro/2006. Intimado a comparecer em audiência, o adquirente informou que havia quitado parte do valor relativo à compra do imóvel diretamente ao procurador da reclamada, sendo o saldo restante depositado na conta de um de seus filhos.
Segundo esclarece o relator do recurso, os documentos juntados pelo comprador em sua defesa e os vários fatos provados no processo demonstram que houve fraude à execução. Para o desembargador, é evidente o conluio entre o terceiro, a executada e o seu filho maior para lesar credores, que são a reclamante e a filha menor, criando obstáculos à penhora do usufruto. Embora conhecessem o teor do alvará, resolveram descumprir a ordem judicial. Não só deixaram de depositar em juízo a parte que cabia a filha menor da executada, como também subtraíram valor da venda do imóvel que a ela cabia. Por isso, o comprador responderá pela execução, ainda que se possa ter por verdadeiro o fato de que tenha comprado o imóvel - frisou o desembargador.
Nesse contexto, a Turma concluiu que o comprador, terceiro estranho ao processo, tornou-se devedor solidário, nos termos do disposto no artigo 942 do Código Civil , devendo responder pela execução dos créditos devidos à reclamante.
(AP nº 00765 -2005-106-03-00-2)
Leia, abaixo, a íntegra da decisão:
Processo : 00765-2005-106-03-00-2 AP
Data de Publicação : 08/05/2008
Órgão Julgador : Sexta Turma
Juiz Relator : Desembargador Antonio Fernando Guimaraes
Juiz Revisor : Desembargador Ricardo Antonio Mohallem
AGRAVANTE: Adriana Lopes Manhães
AGRAVADO : Edílson Ferreira de Souza
EMENTA: EXECUÇÃO - Parte Legítima - Demonstrado nos
autos que há conluio entre a Executada e terceiro
estranho à lide a fim de obstaculizar a execução, por
ela responderá também o terceiro, ao teor do art. 952 do Código Civil .
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de
Petição, originários da 27ª. Vara do Trabalho de Belo Horizonte, em que
figura como agravante, Adriana Lopes Manhães, e como agravado, Edílson
Ferreira de Souza; como a seguir se expõe:
R E L A T Ó R I O:
Inconformada com a r. decisão de fl. 292, que decidiu
ser impossível a execução de Edílson Ferreira de Souza que diz ter
adquirido o do imóvel situado à rua expedicionário Mário Alves de Oliveira,
110, Bairro São Luiz, tendo em vista que comprovou pagamento o imóvel.
Agrava de petição a exeqüente às fls. 295/300, alegando a existência de
fraude a execução; tendo em vista que a executada usufrutuária não poderia
renunciar ao seu direito com a venda da propriedade
Pede o provimento.
Determinei a retificação da autuação e registros, para
fixar como agravado o Sr. Edílson Ferreira de Souza, em face de quem se
pede continuar a execução, concedendo-lhe prazo para contraminuta.
Contraminuta apresentada por Edílson Ferreira de Souza,
acompanhada de documentos.
Dispensável a intervenção do MPT.
É o relatório.
V O T O
1 - Admissibilidade
Conheço do agravo, interposto a tempo e modo, eis que
presentes os pressupostos de recorribilidade.
Conheço, também, dos documentos que acompanham a
contraminuta, pois, novos, em face do recurso interposto.
2 - Mérito
A argüição de ilegitimidade diz respeito à pretensão
posta no agravo, de fazer voltar a execução contra Edílson Ferreira de
Souza que não era parte no processo, em face de fraude à execução. Rejeito.
O exame dos autos indica que o imóvel situado na rua
Expedicionário Mário Alves de Oliveira, 110, Bairro São Luiz, nesta Capital
foi doado aos filhos da executada - André Luiz Sales de Souza Júnior e
Marcella Regina Sales de Souza - com usufruto vitalício da executada Maria
Regina Sales (f.185).
Referida doação foi considerada legal pela decisão
proferida no exame de embargos de terceiro (f.169).
Determinou-se a expedição de mandado aos residentes do
imóvel para que informassem a que título o ocupavam pois, se através de
locação, deveriam depositar mensalmente, à disposição do juízo, o valor
referente aos aluguéis até o limite da execução (f.189).
O imóvel estava ocupado pelo Sr. Edílson Ferreira de
Souza que, inquirido em audiência de conciliação, fl. 290, "informou que
comprou o imóvel, situado à Rua Expedicionário Mário Alves de Oliveira, nº
110, da executada Maria Regina Sales, pelo valor de R$ 570.000,00, tendo
quitado parte do valor diretamente ao procurador da mesma Dr. Ronaldo Silva
e o remanescente depositado na conta do filho da mesma Sr. André Luiz,
conforme recibo de quitação que ora junta aos autos; que ao proceder o
registro junto ao Cartório, percebeu existir um registro de
indisponibilidade e que o processo junto a Justiça comum encontra-se com o
Promotor de Justiça, razão pela qual ainda não informou o pagamento
naqueles autos".
Os documentos dos autos demonstram que a venda do imóvel
havia sido autorizada pelo MM. Juiz de Direito da 9ª Vara Cível, através de
alvará para venda, expedido em 02 de junho de 2006 (f.282). Em 26 de junho
de 2007 (f.263) foi suspensa a realização da venda e determinado o
recolhimento do alvará.
A exeqüente requereu o bloqueio de créditos do Sr.
Edílson junto ao sistema BACEN, até o limite do valor da execução.
O julgador de primeiro grau indeferiu o pedido (f.292).
Os fatos colhidos nos autos demonstram, a toda
evidência, que a alegada venda do imóvel, se realmente existiu, à vista dos
documentos juntados com a contraminuta, há, na verdade, conluio entre
Edílson Ferreira de Souza e a executada para lesar credores e obstaculizar
a penhora do usufruto. Nesse sentido, Edílson tornou-se devedor solidário,
na forma do art. 942 do Código Civil .
Na seqüência dos fatos apura-se que, em setembro de
2006, o Oficial de Justiça certificava que a Executada voltou a morar no
imóvel (fl. 157), e em 03 de outubro de 2006 o imóvel veio a ser
penhorado, com nomeação da executada como depositária (fl. 165). Foram
oferecidos embargos de terceiro pelos filhos menores da Executada, conforme
certidão de fl. 167. A penhora foi julgada insubsistente em 22 de novembro
de 2006 (fls. 169/170). Em 22 de fevereiro de 2007, certifica a Oficiala de
Justiça, informada pela Sra. Fátima de Souza, que se disse esposa de
Edílson Ferreira de Souza, que ele, atual proprietário e sua família,
residem "há mais ou menos 02 meses" no imóvel (fl. 178).
Assim, eis os fatos a se contraporem nos autos a indicar
a fraude à execução: a) a esposa de Edílson afirmou residirem no imóvel
desde dezembro de 2006 - o contrato de promessa de compra e venda está
datado de 10 de janeiro de 2007 e, não obstante "imitido na posse do imóvel
a contar da assinatura deste contrato particular de compra e venda,
concedendo aos promitentes compradores (sic), o prazo até o dia 30 de
janeiro de 2007, para a retirada de todos os bens e pertences ainda
constantes do imóvel" e, curiosamente, nele se indica que as firmas de seus
signatários foram reconhecidas pelo tabelionato do 3º Ofício de Notas, mas
não se revela a data em que se fez a autenticação, não se copiou a certidão
deste Cartório; b) a venda se fez pelo preço de R$ 570.000,00 pago
integralmente à vista, mediante recibo, fl. 291 - o contrato de promessa
de compra e venda aponta a venda pelo valor de R$ 400.000,00; c) a venda
só seria possível mediante autorização judicial. Se a alegada aquisição se
deu àquela época - dezembro de 2006 ou em 10 de janeiro de 2007, a Edílson
foi exibido o alvará de fl. 252 (expedido em 2 de junho de 2006), o que se
confirma no contrato de compra e venda, cláusula 2.4., contudo, nesse
alvará há ordem expressa no sentido de que deveria "a importância
resultante da venda ser integralmente depositada à ordem judicial" - isso
não se fez, e até hoje o Juízo Cível não foi comunicado da alienação; d) a
Executada - Maria Regina Sales - protocolou nos autos do Processo nº
002405.890.284-2, de pedido de alvará, que tramita perante o MM. Juiz de
Direito da 9ª Vara Cível, em 31 de janeiro de 2007, na qual devolvia o
anterior alvará expedido em 2 de junho de 2006, ao fundamento de que seu
filho André Luiz Sales de Souza Júnior "completou a sua maioridade" e que
deixava de prestar contas, porque "não houve venda do imóvel", requerendo
agora a expedição de outro alvará em nome da filha menor - Marcella Regina
Sales de Souza - (fls. 253/254), que veio a ser expedido em 20 de
fevereiro de 2007, o contrato de promessa de compra e venda indica a data
de 10 de janeiro de 2007.
Mas não é só, a se dar valor à documentação que
acompanhou a contraminuta, verifica-se, ainda, que a fraude mais se
patenteia (e agora com a participação do filho da Executada - André Luiz
Sales de Souza Júnior). Já antecipando em 10 de janeiro de 2007 que outro
Alvará seria expedido, agora apenas para representar a filha Marcella
Regina Salles, o que só se deu em 28 de fevereiro de 2007, pelo menos em 1º
de junho de 2007, quando se expediu a escritura de Compra e Venda do
Imóvel, na qual se transcreveu e se exibiu o alvará de fl. 256, ignorou-se
por completo a ordem nele expressa: "devendo a parte que corresponde a
menor Marcella Regina Sales, ou seja, 50% do valor da alienação, ser
depositada à ordem judicial, em conta do Banco do Brasil, com juros e
correção monetária, no prazo de 05 dias após a respectiva venda, com a
devida prestação de contas". No entanto, colhe-se do recibo de fl. 291, sem
qualquer data, mas ratificado pelo Agravado em audiência, que o preço foi
pago da seguinte forma: a) "R$320.861,50 (trezentos e vinte mil, oitocentos
e sessenta e um reais e cinqüenta centavos), depositado na conta do Sr.
André Luiz Sales de Souza Júnior, no banco Bradesco, Ag. 2404-0, conta
poupança 0021832-4. - o contrato de promessa de compra e venda revela que a
ele se pagou apenas R$ 200.000,00; b) R$200.000,00 (duzentos mil reais),
pago em cheque do banco Bradesco em favor de Marcella Regina Salles, em
conta a ser determinada pelo juiz, conforme alvará determinado pelo mesmo;
c) R$49.138,50 (quarenta e nove mil, cento e trinta e oito reais e
cinqüenta centavos), pagos em espécie, totalizando o valor de R$570.000,00
(quinhentos e setenta mil reais)". Já a Escritura salienta que a venda se
fez pelo preço de R$ 400.000,00, que recebem neste ato.
Nesta hipótese, Executada, Edílson Ferreira de Souza e
André Luiz Sales de Souza Júnior, que conheciam o alvará de fl. 256,
resolveram descumprir aquela ordem judicial. Não só deixaram de depositar
em juízo (que até 30/01/2008, data da audiência em que interrogado Edílson,
não foi informado da venda) a parte que cabia a Marcella Regina Salles,
como também subtraíram do valor que a ela cabia (R$ 285.000,00 - 50% do
valor da alienação ) a importância de R$ 85.000,00.
Só este fato é suficiente para demonstrar que Edílson
Ferreira de Souza, a Executada e André Luiz Sales de Souza Júnior obraram
em fraude, conluiaram-se para lesar terceiros: a Reclamante e a menor
Marcella Regina Salles. Por isto Edílson responderá por esta execução,
ainda que se possa ter por verdadeiro o fato de que tenha comprado o
imóvel.
Portanto, provejo o agravo para autorizar que a execução
se processe também em face de Edílson Ferreira de Souza.
3 - Conclusão
Pelo exposto, conheço do agravo e, no mérito, dou-lhe
provimento para autorizar que a execução se processe também em face de
Edílson Ferreira de Souza. A Secretaria da Vara deverá oficiar o MM. Juiz
de Direito da 9ª Vara Cível da Capital, remetendo-lhe cópias do acórdão, da
ata de fl. 290, do recibo de fl. 291, Processo de Pedido de Alvará nº
002405.890.284-2, e das cópias do contrato de promessa de compra e venda,
da Escritura de Compra e Venda e demais documentos que acompanharam a
contraminuta de agravo, para fins de direito.
MOTIVOS PELOS QUAIS,
O Tribunal Regional do Trabalho da Terceira Região, em
Sessão da sua Sexta Turma, hoje realizada, analisou o presente processo e
preliminarmente, à unanimidade, conheceu do agravo de petição; no mérito,
sem divergência, deu-lhe provimento para autorizar que a execução se
processe também em face de Edílson Ferreira de Souza. A Secretaria da Vara
deverá oficiar o MM. Juiz de Direito da 9ª Vara Cível da Capital,
remetendo-lhe cópias do acórdão, da ata de fl. 290, do recibo de fl. 291,
Processo de Pedido de Alvará n. 002405.890.284-2, e das cópias do
contrato de promessa de compra e venda, da Escritura de Compra e Venda e
demais documentos que acompanharam a contraminuta de agravo, para fins de
direito.
Belo Horizonte, 28 de abril de 2008.
ANTÔNIO FERNANDO GUIMARÃES
Desembargador Relator"
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