A degola de Bustani
A reunião plenária da Opaq, Organização para a Proibição de Armas Químicas, resolveu, na noite de segunda-feira (22/4), em Haia, na Holanda, afastar o seu diretor, o embaixador brasileiro José Maurício Bustani. Foi a vitória da pressão do governo norte-americano, com argumentos da guerra fria ou com a compra dos votos de países-membros desta organização que tentou, sob a direção do embaixador brasileiro, ter uma atuação independente e igualitária.
Com argumentos da guerra fria, do tipo quem não está a favor dos Estados Unidos é a favor do terrorismo internacional, ou está ao lado do Eixo do Mal, os Estados Unidos venceram Bustani. Apesar das insinuações do governo norte-americano de suposta má administração, por parte de Bustani na direção do órgão, a destituição teve motivos claramente políticos: a maneira imparcial de Bustani trabalhar. A gota dágua foi tentar atrair o Iraque para a entidade. A entrada de Saddan Hussein para a organização de controle de armas químicas tiraria todos os argumentos para justificar a guerra contra o Iraque, já declarada verbalmente por George W. Bush e por Tony Blair.
Portas fechadas
O resultado da votação deixou claro que quase todos os países membros não estavam preparados para enfrentar o vago argumento de que brasileiro é sempre corrupto e não tem competência para a tarefa. A reunião extraordinária foi feita, pela primeira vez, a portas fechadas, deixando claro que a transparência no controle das armas químicas no mundo não interessa aos Estados Unidos, o detentor do maior arsenal no mundo.
Junto ao Brasil, somente seis outros países conseguiram opor-se à destituição de Bustani. O número de abstenções foi altíssimo, 43. Mas o total de 48 votos a favor da moção norte-americana resultou na controvertida votação. Esta foi a segunda vez, em poucos meses, que os Estados Unidos conseguiram afastar um alto funcionário de uma organização internacional. A primeira vítima foi Robert Watson, presidente da Organização das Nações Unidas para Mudanças Climáticas.
Golpe de Estado
O embaixador brasileiro José Bustani resistiu bravamente até o último momento à pressão norte-americana e caiu atirando: ao fim da reunião acusou os Estados Unidos de um golpe de Estado. Muitos dos outros 47 países dependem em grande parte do apoio financeiro norte-americano à organização. Os Estados Unidos também utilizaram esta contribuição como moeda de troca para tirar Bustani. E ofereceram pagar cotas atrasadas, por parte de países membros da Opaq, com poucos recursos.
Segundo as regras da entidade, os países que não estivessem com as contribuições em dia perderiam o direito de voto. A Casa Branca teria proposto a países devedores - principalmente da Ásia, América Central e África - saldar suas dívidas em troca de votos. O orçamento anual da Opaq é de 45 milhões de Euros. A contribuição dos norte-americanos responde por 22% do total.
Com a saída do embaixador Bustani, assume como diretor da organização o australiano John Gee, um dos fiéis escudeiros dos Estados Unidos e, até 22 de abril, vice-diretor da entidade. John Gee era um dos funcionários que vinham criticando abertamente o trabalho do ex-diretor brasileiro José Bustani.
*Mario de Freitas Gonçalves, jornalista brasileiro da Radio Nederland, em Hilversum, Holanda.
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