Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
24 de Abril de 2024
    Adicione tópicos

    Para que serve, afinal, o Poder Legislativo no Brasil?

    Publicado por Expresso da Notícia
    há 17 anos

    O Estado Democrático de Direito é baseado na independência e na soberania de cada um dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. No sistema vigente no Brasil, pressupõe-se que os poderes devem trabalhar juntos para o desenvolvimento do país. Para assegurar o cumprimento dos princípios constitucionais, cada um dos poderes da República deve exercer suas atribuições, sem abrir mão das responsabilidades.

    Como se sabe, o Poder Legislativo, exercido pelo Congresso Nacional, Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais, tem como principal atribuição legislar - criar as leis, ouvindo os anseios da sociedade. Outra importante atribuição do Legislativo é a de fiscalizar os atos do Poder Executivo. Ao Poder Judiciário cabe julgar os conflitos da sociedade e dar a interpretação legal das normas vigentes, assegurando o pleno exercício da cidadania aos que buscam a tutela jurisdicional. O Executivo administra o Estado. Tem sob sua responsabilidade atividades como arredação de impostos e aplicação dos recursos públicos. Por isso, apesar de eleitos, os governantes devem estar sujeitos a controles rígidos de seus atos e das medidas de gestão da coisa pública que adotam.

    A simples leitura desses enunciados remete o leitor ao melhor dos mundos. No atual momento, porém, o Poder Legislativo brasileiro passa por sua mais aguda crise de identidade. A crise não decorre de nenhuma alteração constitucional. É resultado da mais grave crise institucional já vivida pelo País. A corrupção e a sede de poder que move boa parte dos parlamentares tem levado o Poder legislativo, em âmbito federal, municipal e estadual, a renunciar a uma de suas mais nobres atribuições: a fiscalização do Poder Executivo.

    Os recentes episódios do acidente do avião da GOL, que resultou na morte de 154 pessoas, e a cratera que se abriu próxima à marginal Pinheiros, em São Paulo, deixando sete vítimas, ilustram bem o quadro de renúncia e inanição do Poder Legislativo. No caso do acidente aéreo, há muito tempo a imprensa vinha denunciando o "sucateamento" da infra-estrutura aeroportuária do País. Corte de verbas, baixos salários e deficiências tecnológicas eram expressões comuns quando se abordava o problema do controle do tráfego aéreo.

    Apesar disso, porém, durante anos e anos deputados e senadores pouco ou nada fizeram a respeito. Alguém pode lembrar um ou outro pronunciamento isolado, em alguma comissão, diante de um plenário vazio e desinteressado. Os nobres deputados dedicaram-se com mais vigor em legislar em causa própria, procurando aumentar seus próprios salários, e ao jogo político de conquista de cargos em troca de votos, até chegar no sistema da compra automática de adesões, por meio do macabro esquema do "mensalão".

    A simples informação de que os operadores de tráfego aéreo ganhavam baixíssimos salários e trabalhavam em precárias condições parece nunca ter chegado ao Congresso ou, se chegou, não foi capaz de sensibilizar os nobres parlamentares, eles próprios ávidos viajantes aéreos às custas do dinheiro público.

    Depois do acidente aéreo, os parlamentares ensaiaram um "jogo de cena", procurando analisar a crise do tráfego aéreo. Nada mais foi feito, e agora as famílias das vítimas, passados quatro meses da tragédia, voltam à mídia para reclamar transparência nas investigações.

    No Estado de São Paulo, tido como o mais rico e desenvolvido do País, a Assembléia Legislativa vive, há mais de uma década, um dos mais prolongados períodos de "sonolência" e complacência com os atos do Poder Executivo. Os últimos governadores contaram com maioria, conseguindo aprovar sempre o que quiseram. No item fiscalização, houve o recorde de anemia legislativa: nenhuma CPI foi aprovada nos últimos anos.

    Os nobres deputados estaduais paulistas, que custam mais de R$ 100 mil mensais aos cofres públicos, durante vários anos nada perceberam de errado em nenhum aspecto da administração pública. Foi preciso sete mortes na cratera aberta pelas obras da estação Pinheiros da Linha 4 do Metrô para que, de afogadilho, a Assembléia paulista abrisse uma "comissão de representação", sem poderes de investigação, com prazo exíguo de funcionamento, numa clara tentativa de iludir a opinião pública. Antes do deslizamento de terra do dia 12 de janeiro, outros 11 acidentes - um deles com a morte de um operário e investigação do Ministério Público - não despertaram a atenção dos nobres parlamentares.

    A licitação da Linha 4 foi feita pelo sistema das Parcerias Público-Privadas (PPPs). De acordo com o que foi divulgado, o contrato estabeleceu um valor total que o consórcio de construtoras deve obedecer na construção. Na teoria, esse tipo de contrato, além de obrigar o consórcio a seguir a planilha de custos definida na licitação, são evitados aditivos que prolongam o tempo da obra e geram custos elevados para o Poder Público.

    Mas, ao mesmo tempo em que traz mecanismos que evitariam a corrpução e o descontrole, contratos deste tipo aparentemente limitam a interferência do contratante - no caso, o Metrô - durante as obras. Os controles de qualidade caberiam ao próprio consórcio vencedor da licitação.

    Neste contexto, em que a administração pública adotou um tipo de contrato que impede a fiscalização do próprio Metrô, é de se estranhar que, mesmo diante de 11 acidentes, os deputados paulistas não tenham saído da rotina das sessões solenes de homenagens, indicação de nomes a estradas e ofícios de felicitações pelo transcurso de aniversários, tão comuns no cotidiano parlamentar. Até para enriquecer o debate e esclarecer os eleitores que os elegeram, era de se esperar que os nobres deputados pelo menos debatessem com vigor a questão do Metrô.

    No momento em que se discute a utilização ampla das PPPs para suprir as mais variadas deficiências do Estado brasileiro, o exemplo de São Paulo deixa evidente que faltam ainda mecanismos públicos de controle e transparência até para os cidadãos diretamente afetados pelas obras do Metrô. Após o acidente, a imprensa trouxe à tona várias queixas de moradores das imediações das obras, nunca ouvidas ou registradas pelas "autoridades".

    Os moradores das imediações das obras e as vítimas não tiveram no parlamento paulista aliados para que suas vozes fossem ouvidas. A Assembléia paulista não só se omitiu; fechou-se até se tornar impermeável a qualquer discussão de efetivo interesse da população envolvida. Os deputados, por variados motivos, optaram por renunciar - não ao mandato e às intermináveis vantagens decorrentes, mas às mais nobres atribuições de suas funções: o poder-dever de ficalizar o Poder Executivo em benefício do bem comum.

    *Tito Bernardi é editor do site Expresso da Notícia

    • Publicações8583
    • Seguidores175
    Detalhes da publicação
    • Tipo do documentoNotícia
    • Visualizações3383
    De onde vêm as informações do Jusbrasil?
    Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/para-que-serve-afinal-o-poder-legislativo-no-brasil/132111

    Informações relacionadas

    Editora Revista dos Tribunais
    Doutrinahá 3 anos

    4. Poder Legislativo

    Editora Revista dos Tribunais
    Doutrinahá 2 anos

    Capítulo II - Do Poder Executivo (Arts. 76 a 91)

    Editora Revista dos Tribunais
    Doutrinahá 2 anos

    Seção IX – Da fiscalização contábil, financeira e orçamentária (Arts. 70 a 75)

    Renato Nascimento, Advogado
    Artigoshá 7 anos

    Organização dos Poderes

    Junior Rodrigues, Advogado
    Artigoshá 7 anos

    O que faz o Presidente da República?

    0 Comentários

    Faça um comentário construtivo para esse documento.

    Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)