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26 de Abril de 2024

Responsabilidade penal por dano ambiental

Publicado por Expresso da Notícia
há 18 anos

Revisão Jurídica: Cláudio Nunes Faria, Gersonise Bastos Valadão, Maria Lígia Gonçalves Teixeira e Lidiane de Oliveira Dantas Santiago.

Sumário: Introdução. 1. Breve histórico do Direito Ambiental. 2. Importância dada ao meio ambiente na Carta Constitucional brasileira de 1988. 3. Responsabilidade Penal. 3.1. Crimes contra o meio ambiente. 3.2. A Constituição e os crimes ambientais. 3.3. Legislação Penal Ambiental. 3.4. Responsabilidade penal das pessoas jurídicas de Direito Público na Lei 9.605 /98. 3.5. O Juizado Especial Criminal. 3.6 Posicionamento dos Tribunais. Conclusões. Bibliografia.

Introdução

A Constituição brasileira de 1988 deixou de lado o neutralismo do Estado de “Direito”, evoluindo para ser “Estado Social” e de “Justiça”, cujos princípios estão solenemente declarados na Carta Magna , assumindo os mais elevados valores da natureza humana, os quais são acordes com a tradição romano-cristã.

Em harmonia com o princípio do respeito à dignidade humana, a Carta de 1988 desenvolve a idéia da responsabilidade objetiva em sede de danos ambientais. Com efeito, mostra-se indispensável promover a adequada reparação dos danos sofridos em decorrência de atividades degradadoras dos recursos naturais.

Os constantes desastres ecológicos vêm despertando a consciência ambientalista por todo o mundo e as nações passam a refletir sobre os erros do passado e a sopesar que avanços podem ser dados no futuro em termos de desenvolvimento econômico, tendo-se em mente, também, a compatibilização com o ecológico, para, assim, preservar o patrimônio ambiental global.

É de se esperar que o ser humano, cada vez mais, aperfeiçoe e desenvolva mecanismos que permitam compatibilizar o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente, visto que, longe de serem incompatíveis, como já se cogitou antigamente, esses dois temas são fundamentais para a sociedade e devem conviver em harmonia para que haja um maior equilíbrio e justiça social entre os povos.

1 Breve histórico do Direito Ambiental

A sociedade industrial, surgida no século XIX, estruturou-se sobre a ideologia do liberalismo, tendo como princípio fundante a livre concorrência – a liberdade de empresa, cujos padrões de produção e consumo vêm gerando notável depredação ambiental em decorrência de: aumento de poluição pelas fábricas e veículos automotores; emprego desordenado de substâncias tóxicas na produção agrícola; consumismo desmedido; uso irracional dos recursos naturais; e acúmulo de lixo não degradável.

A partir da Revolução Industrial houve uma crescente demanda por energia levando a uma intensa exploração de reservas de petróleo e carvão. A queima destes combustíveis aumentou a emissão e concentração de gás carbônico na atmosfera, o que vem gerando alterações climáticas, sendo este o mais grave problema ambiental, pois não afeta apenas os países industrializados, mas todo o globo.

O alucinante progresso econômico do século XX teve como fundamento o uso indiscriminado dos recursos naturais antes considerados inesgotáveis. Por outro lado, foi a polêmica suscitada pela questão da energia nuclear nos anos 60, e o aumento inesperado dos preços do petróleo, nos anos 70, que provocaram os primeiros debates sobre a escassez de recursos naturais e levaram à percepção da finitude da biosfera. Esta preocupação ambientalista tornou-se sensível, desde os anos 60, com o aparecimento de um movimento social engajado no enfrentamento da questão nuclear em vários países europeus e nos Estados Unidos. A sociedade civil e seus movimentos ativistas passaram a volver seu olhar, também, para o problema da degradação do meio ambiente, que já ameaça a continuidade da sobrevivência na Terra.[1]

Neste passo, a humanidade passou a refletir sobre a necessidade da tutela dos recursos ambientais.

A realização da I Conferência Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, em Estocolmo, de 5 a 16 de junho de 1972 , promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), trouxe o reconhecimento mundial para a importância da discussão e mobilização, visando à preservação ambiental e ao equilíbrio ecológico global. O resultado desse encontro foi a Declaração sobre o Ambiente Humano, emanada da Assembléia Geral das Nações Unidas, tendo como objetivo maior atender “... a necessidade de um ponto de vista e de princípios comuns, para inspirar e guiar os povos do mundo na preservação e na melhoria do ambiente”[2]. Entre os princípios enumerados na referida Declaração, encontra-se o seguinte:

“4 - O Homem tem a responsabilidade especial de preservar e administrar judiciosamente o patrimônio representado pela flora e fauna silvestres, bem assim o seu habitat, que se encontram atualmente em grave perigo, por uma combinação de fatores adversos. Em conseqüência, ao planificar o desenvolvimento econômico, deve ser atribuída importância à conservação da natureza, incluídas a flora e a fauna silvestres”[3].

Tal princípio dispõe sobre a responsabilidade de todos na preservação e equilíbrio do meio ambiente. Portanto, se não cumprida tal obrigação, surge a responsabilidade nas modalidades e efeitos que lhe são inerentes.

Em junho de 1992, realizou-se a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, no Rio de Janeiro, tendo os participantes subscrito a Declaração do Rio de Janeiro, onde se destaca o Princípio n. 13:

“Os Estados devem elaborar uma legislação nacional concernente à responsabilidade por danos causados pela poluição e com a finalidade de indenizar as vítimas”.

Assim, funda-se em tal princípio, a possibilidade de enfocar os danos ambientais em sentido amplo, desdobrando-os em: a) danos ambientais propriamente ditos, decorrentes de agressões ao patrimônio público ambiental; b) os que ofendem direitos individuais homogêneos, consistentes em danos patrimoniais e extrapatrimoniais, causados a pessoas ou grupos de pessoas delimitados ou delimitáveis, em conseqüência do dano ambiental.[4]

A violação de um preceito normativo pode dar origem a sanções de diversas naturezas, e a cada uma corresponde um tipo de responsabilidade civil, administrativa ou penal, conforme aos seus objetivos peculiares e, em conseqüência, as sanções diferem entre si.

2 Importância dada ao meio ambiente na Carta Constitucional brasileira de 1988

A Constituição de 1988 destacou o meio ambiente em capítulo próprio (Capítulo VI), integrando-o no Título VIII – da Ordem Social – o qual tem como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. A Lei Maior salvaguarda o direito de todos ao meio ambiente em equilíbrio, para atender ao reclamo dos indivíduos e da coletividade a uma vida sadia, em sintonia com a natureza.

Consoante se deflui do art. 225, impõe-se ao Poder Público, com o escopo de assegurar a efetividade desse direito:

a) preservar os ecossistemas, as espécies, a integridade do patrimônio genético do País;

b) definir os espaços territoriais, nas unidades da Federação, a serem protegidos;

c) exigir estudo prévio de impacto ambiental, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, devendo ser dada publicidade; controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

d) promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino;

e) proteger a fauna e a flora.

A Constituição Cidadã foi além ao constitucionalmente responsabilizar, no aludido artigo, especificamente nos parágrafos 2º e 3oº respectivamente, aquele que explorar recursos minerais, ficará obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, em conformidade com a solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei; e, aos infratores de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, sejam pessoas físicas ou jurídicas, sujeitando-os as sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparação civil. Acrescente-se que a pessoa jurídica passou, neste caso, a uma responsabilização funcional.

Portanto, a Carta Constitucional de 1988 ao declarar, em seu preâmbulo, um Estado democrático de Direito, tendo como princípio fundamental a dignidade da pessoa humana, assume uma postura coerente por desenvolver a idéia da objetivação da responsabilidade em relação ao dano ambiental, seja nos casos de danos nucleares ( art. 21, XXIII, “c”), e, das pessoas jurídicas, que notadamente, por vezes, têm se revelado as mais degradadoras do meio ambiente.

Para uma nação desenvolver uma consciência ambientalista, ela precisa conhecer e aplicar os princípios fundantes do Direito Ambiental que, na verdade, são princípios universais de Direito.

São dez os princípios elencados por Paulo Affonso Leme Machado, que traduzem a densidade e diversidade de perspectivas que o Direito Ambiental ou Ecológico vem assumindo no contexto histórico mundial:

“1. O homem tem direito fundamental a condições de vida satisfatórias, em um ambiente saudável, que lhe permita viver com dignidade e bem-estar, em harmonia com a natureza, sendo educado para defender e respeitar esses valores.

2. O homem tem direito ao desenvolvimento sustentável, de tal forma que responda eqüitativamente às necessidades ambientais e de desenvolvimento das gerações presentes e futuras.

3. Os países têm responsabilidade por ações ou omissões cometidas em seu território, ou sob seu controle, concernentes aos danos potenciais ou efetivos ao meio ambiente de outros países ou de zonas que estejam fora dos limites da jurisdição nacional.

4. Os países têm responsabilidades ambientais comuns, mas diferenciadas, segundo seu desenvolvimento e sua capacidade.

5. Os países devem elaborar uma legislação nacional correspondente à responsabilidade ambiental em todos os seus aspectos.

6. Quando houver perigo de dano grave e irreversível, a falta de certeza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para adiar-se a adoção de medidas eficazes em função dos custos, para impedir a degradação do meio ambiente (princípio da precaução).

7. O Poder Público e os particulares devem prevenir os danos ambientais, havendo correção, com prioridade, na fonte causadora.

8. Quem polui deve pagar e, assim, as despesas resultantes das medidas de prevenção, de redução da poluição e da luta contra a mesma, devem ser suportadas pelo poluidor.

9. As informações ambientais devem ser transmitidas pelos causadores, ou potenciais causadores de poluição e degradação da natureza, e repassadas pelo Poder Público à coletividade.

10. A participação das pessoas e das organizações não governamentais nos procedimentos de decisões administrativas e nas ações judiciais ambientais deve ser facilitada e encorajada”[5].

Destes princípios denota-se que: o direito a um ambiente sadio é um direito inalienável de todo ser humano; há a necessidade de preservação das espécies como condição para uma vida harmônica do homem com a natureza; atribui-se aos países responsabilidade pelos atos poluidores cometidos sob sua jurisdição; a responsabilidade compete a todos os países, porém deve ser atribuída razoável e eqüitativamente; há a responsabilidade do poder público pelas ações e decisões que prejudiquem ou possam prejudicar o meio ambiente; a obrigação de serem tomadas atitudes imediatas de proteção ao meio ambiente, mesmo que o perigo de dano não possa ser reconhecido com absoluta certeza; impõe-se o dever de prevenção, repressão e reparação integral do dano ambiental, sempre que possível; a responsabilidade ambiental, decorrendo a obrigação de pagar e reparar àquele que polui; a obrigatoriedade de o causador do dano informar sobre as conseqüências da sua ação à população por ela atingida; o direito ao livre acesso para as pessoas e organizações não-governamentais que queiram participar do processo nas decisões públicas ambientais e junto ao Poder Judiciário para a defesa dos interesses difusos.

Analisando o referido rol de princípios, verifica-se que a Carta Constitucional brasileira de 1988 procurou observá-los, a fim de salvaguardar o direito maior – a vida no planeta. Resta a cada um (indivíduos, sociedade civil, empresas públicas, privadas e Estado) ter consciência destes princípios, reconhecendo-os como vetores primordiais para uma existência saudável e em harmonia global.

3 Responsabilidade Penal

A responsabilidade penal surge com a ocorrência de uma conduta omissiva ou comissiva que, ao violar uma norma de direito penal, pratica crime ou contravenção penal.

Os crimes constituem-se ofensas graves a bens e interesses jurídicos de grande valor, de que decorram danos ou perigos próximos. Às duas categorias de crime – de dano e de perigo –, a lei comina pena de reclusão ou de detenção, acumulada ou não com multa.[6]

As contravenções penais referem-se a condutas que a lei comina sanção de menor monta, prisão simples ou multa. A lei é que vai apresentar o que é contravenção e o que é crime. O sistema legal brasileiro comina para o crime pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternada ou cumulativamente com a pena de multa; enquanto contravenção é a infração penal a que a lei comina, isoladamente, a pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternada ou cumulativamente.[7]

Na seara penal há uma grande tendência para descriminar os fatos, isto em termos gerais e não especificamente, para ilícitos ambientais. Como assevera Francisco de Assis Toledo,

“a tarefa imediata do direito penal, é portanto, de natureza eminentemente jurídica e, como tal, resume-se à proteção de bens jurídicos. Nisso, aliás, está empenhado todo o ordenamento jurídico. E aqui entremostra-se o caráter subsidiário do ordenamento penal: onde a proteção de outros ramos do direito possa estar ausente, falhar ou revelar-se insuficiente, se a lesão ou exposição a perigo do bem jurídico tutelado apresentar certa gravidade, até aí deve estender-se o manto da proteção penal, como ultima ratio regum. Não além disso”[8].

Segundo Vladimir Passos de Freitas

“o meio ambiente é bem jurídico de difícil, por vezes impossível, reparação. O sujeito passivo não é um indivíduo, como no estelionato ou nas lesões corporais. É toda a coletividade. O alcance é maior. Tudo deve ser feito para criminalizar as condutas nocivas, a fim de que o bem jurídico, que na maioria das vezes é de valor incalculável, seja protegido”[9].

A propósito observa Antonio Herman V. Benjamin :

“Se o Direito Penal é, de fato, ultima ratio na proteção de bens individuais (vida e patrimônio, p. ex.), com mais razão impõe-se sua presença quando se está diante de valores que dizem respeito a toda a coletividade, já que estreitamente conectados à complexa equação biológica que garante a vida humana no planeta.

Agredir ou pôr em risco essa base de sustentação planetária é, socialmente, conduta da máxima gravidade, fazendo companhia ao genocício, à tortura, ao homicídio e ao tráfico de entorpecentes, ilícitos também associados à manutenção, de uma forma ou de outra, da vida em sua plenitude. Os crimes contra o meio ambiente são talvez os mais repugnantes de todos os delitos de colarinho branco, sentimento que vem apoiado em sucessivas pesquisas de opinião pública naqueles países que já acordaram para a gravidade e irreparabilidade das ofensas ambientais”[10].

Com efeito, verifica-se no ordenamento jurídico pátrio, que as infrações penais contra o meio ambiente são de natureza pública incondicionada. Assim, cabe ao Ministério Público propor a ação penal pertinente, na forma prevista no Código de Processo Penal . Aplicam-se, entretanto, as disposições previstas no art. 89 da Lei 9.099 /95 , aos crimes de menor potencial ofensivo, nos termos expressos dos arts. 27 e 28 da Lei 9.605 /98.

3.1 Crimes contra o meio ambiente

Os crimes contra o meio ambiente ou crimes ambientais, só existem na forma definida em lei. Lembra José Afonso da Silva que

“O Código Penal e outras leis definiam crimes ou contravenções penais contra o meio ambiente. Todas essas leis foram revogadas pela Lei 9.605 , de 12.2.1998 , que dispôs sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. Essa lei separou os crimes segundo os objetos de tutela, assim: crimes contra a fauna (arts. 29-37), crimes contra a flora (arts. 38-53), poluição e outros crimes ( arts. 54-61 ) e crimes contra a Administração Ambiental ( arts. 66-69)”.[ 11]

Segundo Vladimir Passos de Freitas, no Brasil, tanto as sanções administrativas quanto as civis

“têm se revelado insuficientes para proteger o meio ambiente. As administrativas porque, sabidamente, os órgãos ambientais contam com sérias dificuldades de estrutura. Além disso, ao contrário do que se supõe em análise teórica, o processo administrativo não é ágil como se imagina: todos os recursos, de regra com três instâncias administrativas, fazem com que anos se passem até uma decisão definitiva; depois ainda há o recurso ao Judiciário. Já a sanção civil, sem dúvida a mais eficiente, nem sempre atinge os objetivos. É que muitas empresas poluidoras embutem nos preços o valor de eventual ou certa reparação. Além disso, a sanção penal intimida mais e, no caso de pessoas jurídicas, influi na imagem que possuem junto ao consumidor, resultando em queda de vendas ou mesmo na diminuição do valor das ações”[12]. 3.2 A Constituição e os crimes ambientais

O art. 225 , parágrafo 3º da Constituição Federal , leva à conclusão de que o constituinte desejou punir criminalmente a pessoa jurídica que vier a praticar crimes contra o meio ambiente. Tal iniciativa suscitou forte discursão, em face do princípio societas delinquere non potest, adotado no Brasil.[13]

Para Luiz Vicente Cernicchiaro, o constituinte não desejou incriminar a pessoa jurídica e sustenta que “os princípios da responsabilidade pessoal e da culpabilidade são restritos à pessoa física. Somente ela pratica conduta, ou seja, comportamento orientado pela vontade, portanto, inseparável do elemento subjetivo”.[14]

Segundo René David, no mundo ocidental, o direito está dividido na família romano-germânica e na da common law. Assevera que “a noção de família de direito não corresponde a uma realidade biológica; recorre-se a ela unicamente para fins didáticos, valorizando as semelhanças e as diferenças que existem entre os diferentes direitos”.[15]

Cabe ressaltar que nos países da família da common law , é admitida a punição das pessoas jurídicas por crimes econômicos ou contra o meio ambiente. O fato de possuírem Constituições apenas com os princípios básicos ou de nem mesmo as terem escritas certamente facilita tal reconhecimento.[16]

Por outro lado, os países da família romana, dentre os mesmos se inclui o Brasil, não têm tradição de responsabilizar penalmente a pessoa jurídica. Entretanto, a Constituição Federal Brasileira de 1988 trouxe esta inovação.[17]

A Carta Constitucional Brasileira atribuiu responsabilidade à pessoa jurídica consoante art. 225, parágrafo 3º em razão de dar relevância excepcional aos delitos ambientais. Desta forma, a Lei 9.605 , de 12.02.1998, no art. declarou as pessoas jurídicas passíveis de responsabilidade penal, em cumprimento ao comando da Lei Maior.

3.3 Legislação Penal Ambiental

Após a promulgação da Constituição de 05.10.1988, surgiram várias leis a fim de implementar a legislação ambiental. Vale destacar os seguintes diplomas legais:

- Lei 7.802 , de 11.07.1989 , que penaliza o uso indevido de agrotóxicos;

- Lei 7.804 , de 18.07.1989 , que criminalizou a poluição, introduzindo um tipo penal na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938 , de 31.08.1981);

- Lei 7.805 , de 18.07.1989 , que criou o delito de praticar garimpagem sem autorização do órgão competente, introduzindo o art. 21 no Decreto-lei 227 , de 28.02.1967 .

As referidas leis foram resultado dos princípios inscritos na Carta Constitucional de 1988. Entretanto, os resultados foram tímidos. A lei de agrotóxicos teve pouca aplicação, demonstrando a falta de conscientização da sociedade e deficiência na fiscalização pelos órgãos competentes. No que concerne ao crime de poluição, previsto no art. 15 da Lei 6.938 /81 , deu-se o mesmo.[18]

Com efeito, a pretendida proteção ao meio ambiente, exteriorizada na Constituição de 1988, foi, efetivamente, instituída com a promulgação da Lei 9.605 /98 , sendo que esta lei não é apenas penal, pois tem dispositivos de ordem administrativa, o que vem possibilitando, também, maior eficácia na atuação do órgão ambiental federal.

3.4 Responsabilidade penal das pessoas jurídicas de direito público na lei 9.605 /98

O legislador tornou expressa a responsabilidade penal das pessoas jurídicas, consoante se verifica no art. da Lei 9.605 /98 , senão vejamos:

“Art. 3ºAs pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade. Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato”.

Esta modificação rompe com a tradição do Direito Penal brasileiro, fundada no caráter subjetivo da responsabilidade. A sua justificativa está no fato de que, nos crimes ambientais mais graves, jamais se chega a identificar o verdadeiro responsável. No entanto, os países mais adiantados do mundo passaram a punir penalmente as pessoas jurídicas nos crimes contra a ordem econômica e nos praticados contra o meio ambiente. No Brasil, por ser a lei muito recente, ainda não há precedentes dos tribunais de apelações ou mesmo das cortes superiores.[19] Entretanto em primeira instância já existe acordo.

“Em 19.06.1998, a Promotora Ana Paula F. N. Cruz ofereceu denúncia ao Juízo de Direito da Comarca de Jacareí (SP), contra pessoa jurídica, atribuindo-lhe o crime previsto no art . 55 da Lei 9.605 , de 12.02.1998 .[20] Segundo a inicial acusatória, a empresa, através de prepostos, executou a extração de minerais na estrada da Fazenda Conceição, proximidades do Rio Paraíba do Sul, pelo método de abertura de cavas e dragagem, sem possuir a necessária licença de funcionamento emitida pela Cetesb, órgão ambiental do Estado de São Paulo. O processo foi extinto com transação entre as partes ( Lei 9.099 , de setembro de 1995, art. 76 ), comprometendo-se a pessoa jurídica a recuperar a área degradada, em três etapas, no prazo de 135 dias.[21] Outras denúncias estão surgindo em todo o território brasileiro, dando efetividade ao dispositivo penal”[22].

3.5 O Juizado Especial Criminal

Verifica-se que várias das infrações penais ambientais sujeitam-se à Lei 9.099 /95 . Desta, ou são passíveis de transação penal ou admitem suspensão do processo ( art. 76 e 89 ). Observa-se que a Lei dos Juizados Especiais alterou por completo o sistema processual penal no Brasil. Estima-se que em torno de 70 % dos crimes previstos no Código Penal estejam agora regulados por ela. A própria distribuição da justiça modificou-se demais, uma vez que se resolvem as controvérsias e os litígios mais em termos de conciliação do que de repressão.[23]

Com efeito, os princípios insculpidos no art. da Lei 9.099 /95 modificaram dogmas processuais sedimentados há décadas, apresentando um novo processo orientado por critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, almejando, sempre que possível, a conciliação e a transação.

Nos crimes ambientais de menor potencial ofensivo, a aplicação da Lei dos Juizados Especiais está prevista no art. 27 , da Lei dos Crimes Ambientais ( Lei 9.605/98). Nestes casos, a proposta de aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, prevista no art. 76 (transação penal) da Lei 9.099 /95 , somente poderá ser formulada desde que tenha havido a prévia composição do dano ambiental, de que trata o art. 74 da mesma lei, salvo em caso de comprovada impossibilidade.

O art. 28 da Lei 9.605 /98 , também prevê a suspensão do processo de tais crimes ambientais, aos moldes do art. 89 da Lei n. 9.099 /95 , sendo que a declaração de extinção de punibilidade dependerá de laudo de constatação de reparação do dano ambiental, salvo em caso de comprovada impossibilidade. Portanto, se o infrator se compromete a fazer algo, a punibilidade será extinta depois de verificado que ele procedeu consoante havia se comprometido. Por exemplo, se ele se obriga a replantar uma área degradada, passado o tempo de suspensão do processo ( art. 89 ) será verificado se ele honrou o compromisso. Em caso positivo, a punibilidade será extinta; em caso negativo não, podendo haver prorrogação do prazo.

É importante que as condições para gozar dos referidos benefícios da lei especial só sejam concedidas se o infrator procurar reparar o mal. Portanto, se por exemplo, ele polui um rio, a suspensão do processo terá como condição alguma atividade relacionada diretamente com a ação reprovável (por exemplo, prestar serviços em um parque).

3.6 Posicionamento dos tribunais

Vladimir de Passos Freitas sustenta que “o número de recursos criminais pela prática de delitos ambientais é muito inferior ao número de recursos originários de ações civis públicas. Realmente, a proteção civil é muito superior à penal e isso se reflete diretamente no número de julgados. Entretanto, nota-se atualmente uma preocupação maior com as ações penais por crimes ambientais”[24]. Vejam-se os exemplos a seguir.

Será possível reconhecer a insignificância de uma ação penal por ofensa ao meio ambiente? Na morte de exemplares da fauna, é possível reconhecer-lhe a insignificância? Como ela deve ser medida?

“O Tribunal Regional Federal da 4ª Região,[25] através da sua 1a Turma, julgando apelação criminal, negou reconhecimento de insignificância a réu que matou três tatus e duas mulitas, no exercício de caça ilegal. Segundo o relator, não basta o pequeno número para revelar a insignificância, sendo preciso, ainda ficar clara a lesão reciprocamente considerada, ou seja, a análise dos fatos de maneira ampla, seus valores culturais, materiais e demais dados que evidenciam a desvalia da lesão ou prejuízo”[26].

O acórdão tem a seguinte ementa:

"Penal. Caça ilegal. Lei 5.967 /67 . Princípio da insignificância. O abate de três tatus e duas “mulitas”, no exercício de caça ilegal, não pode ser considerado insignificante. Os crimes contra a fauna devem ser considerados não só em si, como destruição dos espécimes, senão também em relação à preservação das espécies e ao equilíbrio ecológico. Importância que não se mede pela quantidade, mas pela função das espécies. Recurso improvido.

Esse é um critério que pode tornar objetiva a aplicação do princípio da insignificância. O risco de adotá-lo de forma subjetiva é o de que nunca se saberá, em matéria de meio ambiente, o que é ou não insignificante.[27] No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, foi considerada insignificante, para fins penais, a apreensão de oito pássaros e de um papagaio.[28] Em sentido oposto, não se considerou insignificante a morte de duas capivaras prenhes e a caçada de nove tatus.[29]

CONCLUSÕES

A responsabilidade nos danos ambientais, segundo a Constituição brasileira de 1988, além de objetiva, é integral e solidária. Qualquer medida tendente a afastar as regras da responsabilidade objetiva e da reparação integral é adversa ao ordenamento jurídico pátrio. A não admissão do princípio do risco integral vai contra o ordenamento ambiental.

Nem sempre é fácil identificar o responsável pela degradação ambiental, daí se justificar a “atenuação do relevo do nexo causal”, bastando que a atividade do agente seja potencialmente degradante para sua implicação nas malhas da responsabilidade.[30]

A proteção ambiental não pode ser tarefa exclusiva do Estado, seja através dos Órgãos do Poder Executivo, seja através do Poder Judiciário, mas de todos, ou seja, os indivíduos, a sociedade civil são obrigados a garantir, com responsabilidade, o direito de as gerações presentes e futuras usufruírem de um meio ambiente ecologicamente equilibrado.

Acreditamos que, para equacionar a problemática da degradação ambiental, devem ser levados em consideração diversos fatores, dentre eles destacamos os seguintes:

1) conscientização ecológica e ambientalista, desde os primeiros anos de vida do cidadão, ou seja, começar pela infância, através de uma instrução e formação educacional voltada aos valores ambientais, sua importância, prevenção e preservação;

2) desenvolvimento de políticas públicas mais engajadas e uma efetiva fiscalização pelos órgãos de controle das atividades depredadoras ambientais, através da melhoria de condições materiais, instrumentais e aperfeiçoamento dos recursos humanos destes órgãos da administração;

3) incentivo à participação da sociedade em todos os seus setores, tais como: técnico-científico, político, econômico, jurídico e social, em eventos que possam discutir e apresentar alternativas para solucionar os fatores que possam levar a depredação ambiental e suas decorrências;

4) participação das populações que sofreram problemas decorrentes da degradação ambiental, pronunciando-se civicamente junto aos seus governantes, parlamentares e administradores nos três níveis da federação no sentido que tais autoridades apresentem maior rigor nas exigências técnicas quanto a licenciamentos e controle fiscalizatório das atividades depredadoras;

5) cobrança de impostos e taxas em face de atividade depredadora dos recursos naturais;

6) exigência legal, como ocorre em outros países, de seguro obrigatório em função de atividades que potencialmente causem danos ao meio ambiente, com o estabelecimento de valores indenizatórios mínimos.

Finalmente, temos que a responsabilidade pela degradação ambiental cabe a cada um de nós – adultos, jovens e crianças – porque é um problema que afeta a todos os habitantes deste planeta.

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SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. 3. ed. rev. e ampl. São Paulo: Malheiros, 2000.

TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de direito penal. São Paulo: Saraiva, 1982.

TOMMASI, Luis Roberto. A degradação do meio ambiente. São Paulo: Livraria Nobel, 1976.

*ORIANA PISKE DE AZEVEDO MAGALHÃES PINTO é juíza de Direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios e Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

[1] Sampaio, 1998, p. 1-2.

[2] Apud Sampaio, 1998, p. 3.

[3] Idem, ibidem.

[4] Apud Sampaio, 1998, p. 6.

[5] Machado, 1998, p. 8.

[6] Silva, 2000, p. 271.

[7] Idem, ibidem.

[8] Toledo, 1982, p. 13-14.

[9] Freitas, 2000, p. 198.

[10] Apud, Freitas, 2000, p. 198.

[11] Silva, 2000, p. 272.

[12] Freitas, 2000, p. 199.

[13] Idem, p. 200.

[14] Apud, Freitas, 2000, p. 200.

[15] David, 1993, p. 17.

[16] Freitas, 2000, p. 201.

[17] Idem, p. 200.

[18] Freitas, 2000, p. 203-212.

[19] Idem, p. 209

[20] Freitas, 2000.

[21] Juízo de Direito da 2ª Vara da Comarca de Jacareí, SP, Processo Criminal 248/98, Ministério Público contra Porto de Areia Itapeva Ltda., j. 25.11.1998.

[22] Freitas, 2000, p. 212.

[23] Idem, p. 215.

[24] Freitas, 2000, p. 220.

[25]Tribunal Regional Federal da 4ª Região, 1ª Turma, Apelação Criminal 95.04.15255-4/RS, relator Juiz Volkmer de Castilho, j. 08.04.1997, Revista do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, v. 27, p. 93-95.

[26] Freitas, 2000, p. 221.

[27] Idem, ibidem.

[28] Tribunal Regional Federal da 4ª Região, 2ª Turma, Apelação Criminal 94.04.29517-3/sc, relator Juiz Jardim de Camargo, j. 25.04.1996.

[29] Freitas, 2000, p. 222.

[30] Silva, 1994, p. 215.

(Artigo reproduzido com a autorização da AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros)

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