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18 de Abril de 2024
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    Voto do ministro Celso de Mello na ADI sobre alteração no Código Florestal - íntegra

    Publicado por Expresso da Notícia
    há 19 anos

    Os dispositivos do Código Florestal que estavam suspensos por liminar voltam a ter eficácia. Em decisão por maioria (sete votos contra dois), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) revogou a liminar anteriormente concedida pelo ministro-presidente, Nelson Jobim, nas férias de julho.

    A liminar havia sido deferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3540 , proposta pelo procurador-geral da República. A ação contesta o artigo 1º da Medida Provisória nº 2.166 /01 na parte em que alterou o artigo , parágrafos 1º, , , , , e do Código Florestal (Lei 4.771 /65 ). Esses dispositivos prevêem a alteração ou supressão de vegetação de área de preservação permanente por meio de autorização dos órgãos ambientais do Poder Executivo.

    Leia, abaixo, a íntegra do votoproferido pelo ministro Celso de Mello:

    "1º/09/2005 TRIBUNAL PLENO

    MED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.540-1 DISTRITO

    FEDERAL

    RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO

    REQUERENTE (S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA

    REQUERIDO (A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA

    ADVOGADO (A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO

    INTERESSADO (A/S) : ESTADO DE SÃO PAULO

    ADVOGADO (A/S) : PGE-SP - JOSE DO CARMO MENDES JUNIOR

    INTERESSADO (A/S) : ESTADO DE MINAS GERAIS

    ADVOGADO (A/S) : JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA E OUTROS

    INTERESSADO (A/S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI

    ADVOGADO (A/S) : MARIA LUIZA WERNECK DOS SANTOS

    INTERESSADO (A/S) : ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

    ADVOGADO (A/S) : PGE - ES MARIA CHRISTINA DE MORAES

    INTERESSADO (A/S) : ESTADO DA BAHIA

    ADVOGADO (A/S) : PGE - BA CÂNDICE LUDWIG ROMANO

    INTERESSADO (A/S) : INSTITUTO BRASILEIRO DE MINERAÇÃO - IBRAM

    ADVOGADO (A/S) : MARCELO LAVOCAT GALVÃO

    INTERESSADO (A/S) : ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL

    ADVOGADO (A/S) : PGE-MS ULISSES SCHWARZ VIANA

    INTERESSADO (A/S) : ESTADO DO AMAZONAS

    ADVOGADO (A/S) : PGE-AM PATRÍCIA CUNHA E SILVA PETRUCCELLI

    E OUTRA

    R E L A T Ó R I O

    O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): O

    eminente Senhor Procurador-Geral da República, ao ajuizar a presente

    ação direta, argüiu a inconstitucionalidade do art. 4º, “caput” e §§ 1º a 7º , da Lei nº 4.771 , de 15/09/1965 (Código Florestal ), na

    redação dada pela Medida Provisória nº 2.166 -67, de 24/08/2001 .

    As normas legais ora impugnadas possuem o seguinte

    conteúdo material (fls. 09/16):

    “Art. 4º A supressão de vegetação em área de

    preservação permanente somente poderá ser autorizada em

    caso de utilidade pública ou de interesse social,

    devidamente caracterizados e motivados em procedimento

    administrativo próprio, quando inexistir alternativa

    técnica e locacional ao empreendimento proposto. § 1º A supressão de que trata o ‘caput’ deste

    artigo dependerá de autorização do órgão ambiental

    estadual competente, com anuência prévia, quando

    couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente,

    ressalvado o disposto no § 2º deste artigo. § 2º A supressão de vegetação em área de

    preservação permanente situada em área urbana,

    dependerá de autorização do órgão ambiental competente,

    desde que o município possua conselho de meio ambiente

    com caráter deliberativo e plano diretor, mediante

    anuência prévia do órgão ambiental estadual competente

    fundamentada em parecer técnico. § 3º O órgão ambiental competente poderá autorizar

    a supressão eventual e de baixo impacto ambiental,

    assim definido em regulamento, da vegetação em área de

    preservação permanente. § 4º O órgão ambiental competente indicará,

    previamente à emissão da autorização para a supressão

    de vegetação em área de preservação permanente, as

    medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser

    adotadas pelo empreendedor. § 5º A supressão de vegetação nativa protetora de

    nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam,

    respectivamente, as alíneas ‘c’ e ‘f’ do art. 2º deste

    Código, somente poderá ser autorizada em caso de

    utilidade pública. § 6º Na implantação de reservatório artificial é

    obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo

    empreendedor, das áreas de preservação permanente

    criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de

    uso serão definidos por resolução do CONAMA. § 7º É permitido o acesso de pessoas e animais às

    áreas de preservação permanente, para obtenção de água,

    desde que não exija a supressão e não comprometa a

    regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação

    nativa.” (grifei)

    O eminente Senhor Ministro-Presidente do Supremo

    Tribunal Federal, durante o período de férias forenses (julho de

    2005), ao suspender, cautelarmente, a eficácia e aplicabilidade do

    art. 1º da Medida Provisória nº 2.166 -67, de 24/08/2001 , na parte em

    que alterou o art. 4º, “caput” e parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, , e , da Lei nº 4.771 , de 15 de setembro de 1965 , que instituiu o Código Florestal , proferiu decisão que tem o seguinte conteúdo

    (fls. 23/27):

    “O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ajuíza ADI contra

    o art. 1º da Medida Provisória nº 2.166 -67, de 24

    agosto de 2001 , na parte em que alterou o art. 4º,

    caput e parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º da

    Lei nº 4.771 , de 15 de setembro de 1965 .

    Aponta a inconstitucionalidade formal dos referidos

    dispositivos por violação ao art. 225 , § 1º, III, da Constituição Federal .

    Está na inicial:

    ‘..............................

    [os dispositivos ora atacados] tornam possível

    a supressão de área de preservação permanente

    mediante mera autorização administrativa do órgão

    ambiental, quando, em verdade, o legislador

    constituinte determinou que tal supressão somente

    poderá ocorrer por meio de lei formal.

    ..............................

    ... somente a lei em sentido formal e

    específica, entendida esta como o ato normativo

    emanado do Poder Legislativo e elaborada segundo os

    preceitos do devido processo legislativo

    constitucional, poderá autorizar a alteração e/ou

    supressão dos espaços territoriais especialmente

    protegidos...

    ..............................’

    Alega que o CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE -

    CONAMA, com fundamento na Medida Provisória atacada

    ‘..............................

    ...está prestes a autorizar, por meio de

    resolução, que o gestor ambiental local apure a

    'utilidade pública' de um empreendimento de

    mineração e autorize, sem lei, a supressão da

    vegetação em área de preservação permanente.

    ..............................’ (fl. 7)

    E que

    ‘..............................

    Tal fato... poderá acarretar prejuízos

    irreparáveis ao bem ambiental, uma vez que fundado

    unicamente na discricionariedade do gestor

    ambiental de dizer o que é utilidade pública,

    quando essa avaliação evidentemente extrapola a

    questão ambiental. [via de conseqüência] Abre-se a

    porta, por exclusivos interesses econômicos,

    especialmente minerários, para a extinção de

    espaços territoriais protegidos e essenciais à

    proteção e defesa dos ecossistemas.

    ..............................’ (fl. 7)

    E ainda que

    ‘..............................

    A 78ª Reunião do CONAMA será realizada nos

    próximos dias 27 e 28 de julho de 2005..., o que

    comprova a necessidade de concessão de

    medida cautelar com base no art. 10, § 3º, da

    Lei nº 9.868 /99, 'sem a audiência dos órgãos ou das

    autoridades das quais emanou a lei ou o ato

    normativo impugnado'.

    ..............................’ (fl. 7)

    Requer a concessão de medida cautelar com

    fundamento no art. 10 , § 3º , da Lei 9.868 /99 e no

    art. 170 do Regimento Interno.

    Decido.

    Em exame prévio, verificam-se presentes os

    pressupostos necessários para o deferimento da medida

    cautelar.

    A inicial anuncia a proximidade da 78ª Reunião

    Ordinária do CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE -

    CONAMA, órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA -

    SISTEMA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, que será realizada

    nos dias 27 e 28 de julho de 2005 (fls. 17/20).

    Ocorre que, com fundamento no art. 4º da Medida

    Provisória ora impugnada, o CONAMA , por meio de

    Resolução, pode vir a autorizar o gestor ambiental local

    a suprimir a vegetação de uma área de preservação

    permanente, para fins de ‘empreendimento de mineração’

    (fl. 7).

    A Constituição Federal impõe ao Poder Público o

    dever de defender e proteger o meio ambiente para as

    presentes e futuras gerações ( art. 225, ‘caput’, da

    CF ).

    Ora, a extração de minério causa danos irreparáveis

    e irreversíveis ao meio ambiente, eis que a área em que

    a atividade for desenvolvida não voltará ao seu estado

    anterior, presente por este motivo o ‘ periculum in

    mora ’.

    O ‘ fumus boni iuris’ encontra-se na norma

    constitucional ( art. 225 , § 3º , III , da CF ) que

    autoriza a supressão de área de preservação permanente

    somente por lei.

    Daí que a concessão da medida permitirá uma análise

    mais aprofundada sobre o tema e, ao mesmo tempo, não

    impedirá o perecimento do direito de eventuais

    interessados na exploração ambiental.

    Assim, defiro o pedido de medida cautelar para

    suspender, ‘ad referendum’ do Plenário, até o

    julgamento final desta ação, a eficácia do art. 4º,

    ‘caput’, e parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, da

    Lei nº 4.771 , de 15 de setembro de 1965 .

    Comunique-se, com urgência, o teor desta decisão ao

    Diretor do CONAMA e ao Procurador-Geral da República.

    Solicitem-se informações.” (grifei)

    O Senhor Presidente da República prestou as informações

    que lhe foram solicitadas (fls. 48/133) e, nelas, defendeu a

    legitimidade constitucional da Medida Provisória n. 2.166 -67/2001 ,

    editada por seu antecessor, assinalando que o diploma legislativo em

    causa não transgrediu a norma constitucional de parâmetro ( CF ,

    art. 225, § 1º, n. III) .

    Em conseqüência de tal posição, o Chefe do Poder

    Executivo da União pediu a reconsideração do ato decisório ora

    submetido ao referendo desta Suprema Corte (fls. 178/195),

    destacando, com apoio em parecer do ilustre Consultor Jurídico do

    Ministério do Meio Ambiente, Dr. GUSTAVO TRINDADE, as seguintes

    conclusões:

    “I - as áreas de preservação permanente incluem-se

    no conceito de ‘espaços especialmente protegidos’, nos

    termos do art. 225 , § 1º , inciso III da Constituição Federal, juntamente com as Unidades de Conservação e a

    Reserva Legal;

    II - a interpretação/aplicação dos preceitos

    constitucionais em debate não podem desbordar da lógica

    do razoável. Com efeito, o preceito constitucional em

    foco não poderá conduzir à conclusão de que qualquer

    atividade humana, em ‘espaços territoriais

    especialmente protegidos’, dependa, diretamente, de

    autorização legislativa. A interpretação do enunciado

    em tais termos esvaziaria a ação administrativa,

    concentrando-a no Parlamento; III - o texto constitucional em análise expressa a

    necessidade de lei especifica para a alteração e a

    supressão de espaços territoriais especialmente

    protegidos, jamais para a supressão de vegetação nestas

    áreas. O corte de vegetação em área de preservação

    permanente não acarreta a supressão da APP, tanto que o Código Florestal Federal reconhece, textualmente

    ( art. 1º, § 2º, inciso II ), a existência de área de

    preservação permanente, mesmo em espaços desprovidos de

    vegetação; IV - não depende de lei o ato administrativo que,

    nos termos da legislação que disciplina referido

    espaço, nele autoriza, licencia ou permite obras ou

    atividade; V – o art. 225 , § 1º , inciso III da Constituição Federal determina uma dupla condição para que se

    promovam alterações ou supressões de espaços

    territoriais especialmente protegidos: a) existência de

    prévia lei autorizativa e b) vedação de qualquer

    utilização que comprometa a integridade dos atributos

    que justifiquem sua proteção; VI - a lei autorizativa para uma eventual supressão

    de vegetação em área de preservação permanente

    estabelecida pelo artigo é o próprio Código Florestal ( art. 3º, § 1º e art. 4º ). Portanto, não há

    necessidade de uma lei específica que autorize a

    supressão de vegetação em área de preservação

    permanente;

    VII - a segunda condição constitucional, para que

    se possa alterar ou suprimir um espaço territorial

    especialmente protegido, é que tal alteração ou

    supressão não implique qualquer utilização que

    comprometa a integridade dos atributos que justifiquem

    sua proteção. Tal dispositivo só pode ser compreendido

    em consonância com a exigência constitucional do

    licenciamento ambiental para obras ou atividades

    potencialmente poluidoras ou causadoras de degradação

    do meio ambiente;

    VIII - entender que não é possível aos órgãos

    ambientais autorizar a supressão de vegetação em APP,

    cabendo tal possibilidade, exclusivamente, ao Poder

    Legislativo é subverter o sistema constitucional das

    competências dos três poderes, atribuindo ao

    Legislativo o que é de competência do Executivo. Não

    depende de lei o simples ato administrativo, que,

    vinculado à norma geral legal que disciplina o uso de

    determinado espaço territorial especialmente protegido,

    decide sobre obras ou atividades a serem nele

    executadas; IX - com as modificações introduzidas na legislação

    ambiental, as áreas de preservação permanente se

    consolidaram como espaços em regra insuscetíveis de

    utilização, ressalvados os casos em que, constatada a

    presença dos requisitos previstos em lei, o órgão

    ambiental competente possa, com fulcro no interesse

    público, devidamente caracterizado e motivado em

    procedimento administrativo próprio, autorizar a

    retirada da vegetação e a conseqüente intervenção

    nesses locais; X - assim sendo, as disposições do art. do Código Florestal Federal encontram-se em perfeita

    harmonia com a Constituição Federal , em especial o seu

    art. 225, § 1º, inciso III.” (grifei)

    Os Estados de Minas Gerais (fls. 139/150), de São Paulo

    (fls. 153/154), do Espírito Santo (fls. 268/274), da Bahia

    (fls. 280/285), de Mato Grosso do Sul (fls. 328/341) e do Amazonas

    (fls. 364/377), bem assim a Confederação Nacional da Indústria – CNI

    (fls. 205/239) e o Instituto Brasileiro de Mineração IBRAMAM

    (fls. 294/295), foram por mim admitidos na presente relação

    processual (fls. 201, 203, 264, 277, 287, 326, 343 e 379), na

    condição formal de “amici curiae” ( Lei nº 9.868 /99, art. 7º , § 2º ),

    cabendo assinalar que esses intervenientes, ao sustentarem a plena

    validade constitucional da Medida Provisória em referência, postulam

    não seja referendada a r. decisão proferida pelo eminente Senhor

    Ministro-Presidente desta Suprema Corte.

    Para os fins a que se refere o art. 21, inciso V, do RISTF , submeto a decisão em causa ao exame do Egrégio Plenário do

    Supremo Tribunal Federal.

    É o relatório .

    V O T O

    O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): Trata-se

    de ação direta, que, ajuizada pelo eminente Procurador-Geral da

    República, objetiva o reconhecimento da inconstitucionalidade do

    artigo 1º da Medida Provisória nº 2.166 -67, de 24/08/2001 , na parte

    em que alterou o art. 4º, “caput” e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º,

    da Lei nº 4.771 , de 15/09/1965 , que instituiu o Código Florestal .

    O eminente Chefe do Ministério Público da União, ao

    deduzir a pretensão de inconstitucionalidade que motivou a decisão

    ora objeto de apreciação por esta Suprema Corte, sustenta que a

    referida Medida Provisória teria ofendido a norma inscrita no

    art. 225 , § 1º , inciso III , da Constituição Federal , que assim

    dispõe:

    “ Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente

    ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e

    essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao

    poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e

    preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

    § 1º Para assegurar a efetividade desse direito,

    incumbe ao Poder Público:

    ............................................... III - definir, em todas as unidades da

    Federação, espaços territoriais e seus componentes

    a serem especialmente protegidos, sendo a alteração

    e a supressão permitidas somente através de lei,

    vedada qualquer utilização que comprometa a

    integridade dos atributos que justifiquem sua

    proteção.’ (...).” (grifei)

    O autor da presente ação direta, para sustentar a

    pretendida declaração de inconstitucionalidade, apóia-se na alegação

    de que, em face da norma de parâmetro supostamente transgredida pela

    Medida Provisória em causa, os atos de modificação e/ou de supressão

    dos espaços territoriais especialmente protegidos submetem-se ao

    postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido

    formal (fls. 04/07):

    “Depreende-se desta norma constitucional que

    somente a lei em sentido formal e específica, entendida

    esta como o ato normativo emanado do Poder Legislativo

    e elaborada segundo os preceitos do devido processo

    legislativo constitucional, poderá autorizar a

    alteração e/ou supressão dos espaços territoriais

    especialmente protegidos, condicionada à integridade

    dos atributos que justifiquem sua proteção.

    Nesta esteira de raciocínio, tem-se, portanto, que

    a competência para autorizar qualquer supressão de área

    de preservação permanente é exclusiva do Poder

    Legislativo, não sendo tal competência objeto de

    delegação a autoridade administrativa, ‘ in casu’ , órgão

    ambiental.

    Não obstante o citado mandamento constitucional, a

    Medida Provisória 2.166 -67/2001 , nos dispositivos supra

    transcritos, transgredindo a ordem vigente, tornou

    possível que o gestor de um órgão ambiental, portanto,

    de natureza administrativa, subtraia uma competência

    que o Poder Constituinte atribui expressamente ao

    Legislativo.

    Deste modo, a Medida Provisória , ineludivelmente,

    viola o Princípio da Reserva Legal consubstanciado no

    art. 225 , § 1º , inciso III , da Carta Política , eis que

    a expressão contida no dispositivo – ‘sendo a alteração

    ou supressão permitidas somente através de lei’ -

    abriga uma manifestação absoluta do Princípio da

    Reserva Legal, implicando dizer que a Constituição

    excluiu qualquer outra fonte infralegal para

    disciplinar a matéria.

    ...................................................

    Ressai, assim, que as áreas de preservação

    permanente são espécies do gênero espaço

    territorialmente protegido, recaindo sobre elas a

    vedação imposta pelo dispositivo constitucional que não

    permite a sua alteração ou supressão, exceto quando

    prevista em lei.

    Portanto, é evidente a inconstitucionalidade dos

    dispositivos citados, pois somente a lei em sentido

    estrito e específica poderá dispor das áreas de

    preservação permanente e, ainda assim, desde que

    cuidando de não comprometer a ‘integridade dos

    atributos que justifiquem sua proteção’ ( art. 225,

    § 1º, III ). A lei em hipótese alguma pode delegar ao

    administrador ou a ato normativo infralegal o poder de

    determinar as hipóteses, em tese, ou os pressupostos

    para a supressão de APP, ainda que criadas por ato

    administrativo.” (grifei)

    O exame da pretensão cautelar deduzida pelo eminente

    Procurador-Geral da República – que veio a ser acolhida, no período

    de férias forenses, pelo Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente

    do Supremo Tribunal Federal, em decisão ora submetida ao referendo

    desta Corte – impõe algumas considerações preliminares em torno

    da relevantíssima questão constitucional pertinente à proteção do

    meio ambiente.

    Todos sabemos que os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Política traduzem, na concreção de seu alcance, a consagração

    constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das

    mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais

    contemporâneas.

    Essa prerrogativa, que se qualifica pelo seu caráter

    de metaindividualidade, consiste no reconhecimento de que todos têm

    direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

    Trata-se, consoante já o proclamou o Supremo Tribunal

    Federal (RTJ 158/205-206, Rel. Min. CELSO DE MELLO), com apoio em

    douta lição expendida por CELSO LAFER (“A reconstrução dos Direitos

    Humanos”, p. 131/132, 1988, Companhia das Letras), de um típico

    direito de terceira geração, que assiste, de modo subjetivamente

    indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que

    justifica a especial obrigação - que incumbe ao Estado e à própria

    coletividade - de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das

    presentes e futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam,

    no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeneracionais

    marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da

    integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos

    compõem o grupo social.

    Vale referir, Senhor Presidente, neste ponto, até mesmo

    em face da justa preocupação revelada pelos povos e pela comunidade

    internacional em tema de direitos humanos, que estes, em seu

    processo de afirmação e consolidação, comportam diversos níveis de

    compreensão e abordagem, que permitem distingui-los em ordens

    sucessivas resultantes de sua evolução histórica.

    Nesse contexto, e tal como enfatizado por esta Suprema

    Corte (RTJ 164/158-161), impende destacar, na linha desse processo

    evolutivo, os direitos de primeira geração (direitos civis e

    políticos), que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou

    formais, e que realçam o princípio da liberdade.

    Os direitos de segunda geração (direitos econômicos,

    sociais e culturais), de outro lado, identificam-se com as

    liberdades positivas, reais ou concretas, pondo em relevo, sob tal

    perspectiva, o princípio da igualdade.

    Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de

    terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva

    atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes

    dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e

    constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de

    quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à

    paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento

    dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores

    fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma

    natureza essencialmente inexaurível, consoante proclama autorizado

    magistério doutrinário (CELSO LAFER, “Desafios: ética e política”,

    p. 239, 1995, Siciliano).

    Cumpre rememorar, bem por isso, na linha do que vem de

    ser afirmado, a precisa lição ministrada por PAULO BONAVIDES (“Curso

    de Direito Constitucional”, p. 481, item n. 5, 4ª ed., 1993,

    Malheiros), que confere particular ênfase, dentre os direitos de

    terceira geração, ao direito a um meio ambiente ecologicamente

    equilibrado:

    “Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do

    homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e

    da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e

    universalidade, os direitos da terceira geração tendem

    a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos

    que não se destinam especificamente à proteção dos

    interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um

    determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o

    gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua

    afirmação como valor supremo em termos de

    existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já

    os enumeram com familiaridade, assinalando-lhes o

    caráter fascinante de coroamento de uma evolução de

    trezentos anos na esteira da concretização dos direitos

    fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas

    referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente,

    à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.”

    (grifei)

    A preocupação com a preservação do meio ambiente - que

    hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em

    favor das gerações futuras - tem constituído, por isso mesmo, objeto

    de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que,

    ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de

    cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações

    internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o

    compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito

    fundamental que assiste a toda a Humanidade.

    A questão do meio ambiente, hoje, especialmente em

    função da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972) e das

    conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e

    Desenvolvimento (Rio/92), passou a compor um dos tópicos mais

    expressivos da nova agenda internacional (GERALDO EULÁLIO DO

    NASCIMENTO E SILVA, “Direito Ambiental Internacional”, 2ª ed., 2002,

    Thex Editora), particularmente no ponto em que se reconheceu, ao

    gênero humano, o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao

    gozo de condições de vida adequada, em ambiente que lhe permita

    desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e de

    bem-estar.

    Extremamente valioso, sob o aspecto ora referido, o

    douto magistério expendido por JOSÉ AFONSO DA SILVA (“Direito

    Ambiental Constitucional”, p. 69/70, item n. 7, 4ª ed./2ª tir.,

    2003, Malheiros):

    “A ‘Declaração de Estocolmo’ abriu caminho para que

    as Constituições supervenientes reconhecessem o meio

    ambiente ecologicamente equilibrado como um ‘direito

    fundamental’ entre os direitos sociais do Homem, com

    sua característica de ‘direitos a serem realizados’ e

    ‘direitos a não serem perturbados.

    ...................................................

    O que é importante (...) é que se tenha a

    consciência de que o direito à vida, como matriz de

    todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que

    há de orientar todas as formas de atuação no campo da

    tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é

    um fator preponderante, que há de estar acima de

    quaisquer outras considerações como as de

    desenvolvimento, como as de respeito ao direito de

    propriedade, como as da iniciativa privada. Também

    estes são garantidos no texto constitucional , mas, a

    toda evidência, não podem primar sobre o direito

    fundamental à vida, que está em jogo quando se discute

    a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela

    da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido

    de que, através dela, o que se protege é um valor

    maior: ‘a qualidade da vida’.” (grifei)

    Dentro desse contexto, Senhor Presidente, emerge, com

    nitidez, a idéia de que o meio ambiente constitui patrimônio público

    a ser necessariamente assegurado e protegido pelos organismos

    sociais e pelas instituições estatais, qualificando-se como encargo

    irrenunciável que se impõe - sempre em benefício das presentes e das

    futuras gerações - tanto ao Poder Público quanto à coletividade em

    si mesma considerada (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, “Polícia do

    Meio Ambiente”, “in” Revista Forense 317/179, 181; LUÍS ROBERTO

    BARROSO, “A proteção do meio ambiente na Constituição brasileira”,

    “in” Revista Forense 317/161, 167-168, v.g.).

    Na realidade, Senhor Presidente, o direito à

    integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de

    titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação

    dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder

    deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas,

    num sentido verdadeiramente mais abrangente, atribuído à própria

    coletividade social.

    O reconhecimento desse direito de titularidade

    coletiva, tal como se qualifica o direito ao meio ambiente

    ecologicamente equilibrado, constitui, portanto, uma realidade a que

    não mais se mostram alheios ou insensíveis, como precedentemente

    enfatizado, os ordenamentos positivos consagrados pelos sistemas

    jurídicos nacionais e as formulações normativas proclamadas no plano

    internacional, como enfatizado por autores eminentes (JOSÉ FRANCISCO

    REZEK, “Direito Internacional Público”, p. 223/224, item n. 132,

    1989, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, “Direito Ambiental

    Constitucional”, p. 46/57 e 58/70, 4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros).

    Dentro desse contexto, e com absoluta fidelidade aos

    valores constitucionais suscetíveis de tutela estatal e de proteção

    social, editou-se a Medida Provisória em questão, e de cuja prática,

    ao longo destes últimos quatro (04) anos – tal como atestam as

    informações prestadas pelo Senhor Presidente da República

    (fls. 48/132) e acentuam as diversas manifestações produzidas pelos

    “amici curiae” (fls. 139/150, 153/176, 268/275, 280/285, 328/341,

    205/262, 294/324 e 364/377) – não resultou o alegado efeito lesivo e

    predatório ao patrimônio ambiental, como temido pelo eminente Senhor

    Procurador-Geral da República.

    É por essa razão, salvo melhor juízo, e não obstante o

    justo receio divisado pelo eminente Senhor Ministro-Presidente desta

    Suprema Corte, cuja decisão reflete o alto espírito público que a

    norteou, que entendo não deva subsistir, na espécie, a medida que

    implicou a suspensão cautelar da eficácia do ato estatal impugnado,

    especialmente se se considerarem os elementos referidos pelo ilustre

    Consultor Jurídico do Ministério do Meio Ambiente, Dr. GUSTAVO

    TRINDADE, em sua excelente análise do sentido, do alcance e da

    finalidade das normas ora impugnadas:

    “Importante analisar, pontualmente, alguns dos

    dispositivos do art. do Código Florestal Federal que

    restam suspensos, bem como avaliar os efeitos de tal

    decisão cautelar.

    a) ‘Art. 4º - A supressão de vegetação em área de

    preservação permanente somente poderá ser autorizada em

    caso de utilidade pública ou de interesse social,

    devidamente caracterizados e motivados em procedimento

    administrativo próprio, quando inexistir alternativa

    técnica e locacional ao empreendimento proposto’.

    - A suspensão do caput do art. 4º retira a garantia

    de que a supressão de vegetação em área de preservação

    permanente somente poderia ser permitida em caso de

    utilidade pública ou de interesse social. (...).

    - o caput do art. 4º prevê a possibilidade de

    supressão de vegetação em área de preservação

    permanente somente nos casos de utilidade pública e

    interesse social e quando inexistir alternativa técnica

    e locacional ao empreendimento proposto. A

    possibilidade de permissão de supressão de vegetação em

    área de preservação permanente, quando tal intervenção

    for possível ou viável noutra área, fere diretamente o

    regime jurídico em questão.

    b) ‘§ 1º - A supressão de que trata o caput deste

    artigo dependerá de autorização do órgão ambiental

    estadual competente, com anuência prévia, quando

    couber, do órgão federal ou municipal de meio

    ambiente, ressalvado o disposto no § 2º deste

    artigo’.

    - a decisão cautelar retirou a possibilidade de

    órgão ambiental, no estrito cumprimento da legislação

    ambiental, autorizar a supressão de vegetação em APP.

    Ou seja, aos órgãos do Sistema Nacional de Meio

    Ambiente - SISNAMA, com longa tradição e competência

    técnica na avaliação de estudos de impactos ambientais,

    não mais compete praticar atos administrativos que

    envolvam autorização para a supressão de vegetação em

    APP. Como efeito da decisão cautelar, cabe ao Poder

    Legislativo autorizar a supressão de vegetação,

    invertendo-se o sistema constitucional de competências,

    atribuindo-se ao Legislativo o que é competência do

    Poder Executivo.

    c) ‘§ 3º - O órgão ambiental competente poderá

    autorizar a supressão eventual e de baixo impacto

    ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação

    em área de preservação permanente’.

    - a suspensão de tal dispositivo impede que o

    órgão ambiental possa autorizar a supressão eventual

    e de baixo impacto ambiental de vegetação em área de

    preservação permanente. A implantação de um pontilhão

    para a travessia de um curso d’água, a implantação de

    instalações para captação e condução de água para

    abastecimento doméstico, a construção de cerca de

    divisas de propriedades, a realização de trilhas de

    ecoturismo, a pesquisa científica, dentre outras

    atividades usuais e de pequeno impacto ambiental,

    estão vedadas de serem realizadas. Somente lei

    específica poderá autorizar tais tipos de

    intervenções.

    d) ‘§ 4º - O órgão ambiental competente indicará,

    previamente à emissão da autorização para a supressão

    de vegetação em área de preservação permanente, as

    medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser

    adotadas pelo empreendedor’.

    - não há mais a exigência legal de que a supressão

    de vegetação em área de preservação permanente seja

    condicionada à realização de medidas mitigadoras e

    compensatórias pelo empreendedor.

    e) ‘§ 7º - É permitido o acesso de pessoas e

    animais às áreas de preservação permanente, para

    obtenção de água, desde que não exija a supressão e não

    comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo

    da vegetação nativa’.

    - (...) a decisão cautelar que suspendeu a eficácia

    do art. do Código Florestal impede o acesso de

    pessoas e animais às áreas de preservação permanente,

    para obtenção de água. O acesso de pessoas e animais às

    áreas de preservação permanente, para obtenção de água,

    por ilegal, submete seus infratores às penalidades da

    Lei 9.605 , de 12.02.1998 , que dispõe sobre as sanções

    penais e administrativas derivadas de condutas e

    atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras

    providências.” (grifei)

    Os motivos que me levam a assim compreender a questão,

    ao menos em juízo de estrita delibação, prendem-se a essas razões e,

    ainda, aos fundamentos que o Excelentíssimo Senhor Presidente da

    República, com igual consistência, bem expôs em sua manifestação, na

    qual sustentou a plena validade jurídico-constitucional da Medida

    Provisória editada por seu antecessor (fls. 180/190):

    “Primeiramente, cumpre esclarecer que é equivocada

    a interpretação conferida pelo requerente ao

    dispositivo constitucional utilizado como parâmetro de

    controle ( artigo 225, § 1º, inciso III ).

    Isso, porque o que a Constituição da República

    prevê como sendo de definição exclusivamente através de

    lei é a alteração e supressão de espaços territoriais

    especialmente protegidos. Em contrapartida, o texto

    normativo impugnado autoriza, mediante procedimento

    administrativo próprio, a supressão de vegetação em

    área de preservação permanente. Vale transcrever os

    dispositivos concernentes, ‘litteris’: Constituição da República:

    ‘ Art. 225. (...)

    § 1º . Para assegurar a efetividade desse

    direito, incumbe ao Poder Público:

    (...) III - definir, em todas as unidades da

    Federação, espaços territoriais e seus

    componentes a serem especialmente protegidos,

    sendo a alteração e a supressão permitidas

    somente através de lei, vedada qualquer

    utilização que comprometa a integridade dos

    atributos que justifiquem sua proteção.’

    (Grifou-se);

    Lei nº 4.771 , de 15.09.65 , com a redação dada

    pela MP nº 2.166 -67, de 24.08.2001 :

    ‘ Art. 4º . A supressão de vegetação em área

    de preservação permanente somente poderá ser

    autorizada em caso de utilidade pública ou de

    interesse social, devidamente caracterizados e

    motivados em procedimento administrativo

    próprio, quando inexistir alternativa técnica e

    locacional ao empreendimento proposto.’

    (Grifou-se).

    Da leitura dos citados artigos, percebe-se que

    a nova redação conferida ao Código Florestal não

    interfere na exigência constitucional de que os

    espaços territoriais especialmente protegidos sejam

    alterados ou suprimidos somente através de lei,

    pois o que se disciplinou foi a supressão da

    vegetação em área de preservação permanente.

    ...............................................

    No mesmo sentido, ensina ÉDIS MILARÉ:

    ‘Pensamos que a alteração e a supressão

    sujeitas à lei são as do próprio regime

    jurídico que rege o espaço protegido. Vale

    dizer, depende de lei a alteração ou revogação

    da legislação (...) que institui, delimita e

    disciplina esse espaço protegido. Não depende

    de lei o ato administrativo que, nos termos da

    legislação que disciplina referido espaço, nele

    autoriza, licencia ou permite obras ou

    atividade’ (Grifou-se).

    ...............................................

    Ressalte-se, por fim, que, mesmo PAULO AFFONSO

    LEME MACHADO, que defende que a ‘área de

    preservação permanente’ é espécie do gênero ‘espaço

    territorial especialmente protegido’, não vislumbra

    inconstitucionalidade na norma impugnada na

    presente ação direta, considerando que as

    alterações ao Código Florestal , realizadas pela

    MP nº 2.166 -67, de 2001 , embora insuficientes,

    foram benéficas e trouxeram certo avanço ao Direito

    Ambiental Brasileiro. Assim preleciona o mencionado

    doutrinador:

    ‘O art. do Código Florestal não usou a

    terminologia ‘Estudo Prévio de Impacto

    Ambiental', mas utilizou ‘procedimento

    administrativo próprio', que deverá

    compreender: a) as alternativas técnicas e

    locacionais ( art. 4º, ‘caput’ ) b) análise do

    impacto ambiental ( art. 4º, § 2º ), para poder

    classificar o grau de importância

    desse impacto; e c) estudo de medidas

    mitigadoras e compensatórias a serem adotadas

    se houver a supressão da vegetação. Ao

    requerente da eliminação da APP caberá provar a

    não-existência de outras alternativas para o

    projeto, pois, sem essa prova, o pedido

    obrigatoriamente será indeferido (art. 4º,

    ‘caput’).

    Merece aplausos esta parte da legislação

    florestal (...).’ (destacou-se).

    Com base em tal afirmação, vale evidenciar que

    a Medida Provisória nº 2.166 -67, de 2001 , trouxe

    mudanças benéficas à disciplina da supressão de

    vegetação em área de preservação permanente, pois,

    no regime anterior, não se garantia que tal

    supressão apenas fosse autorizada quando existisse

    interesse social ou utilidade pública. Também não

    era previsto que somente diante de inexistência de

    alternativa técnica e locacional ao empreendimento

    é que se permitiria a supressão. (...).

    ...............................................

    Cumpre, então, ressaltar que o desígnio do

    legislador constituinte não foi exigir lei

    específica para cada hipótese de supressão de

    vegetação em áreas de preservação permanente.

    Exigiu-se, na verdade, uma lei autorizativa

    genérica, disciplinando a forma pela qual tal

    supressão pode ser feita sem prejuízos para o meio

    ambiente. E tal lei - genérica e abstrata como

    todas devem ser - já existe, pelo menos em relação

    às APP's, consubstanciando-se justamente no Código Florestal.

    Outro aspecto a ser considerado é que, ao

    prevalecer a tese defendida pelo ilustre

    Procurador-Geral da República, de que haveria

    necessidade de lei em sentido formal para qualquer

    caso de supressão de vegetação em espaço

    territorial especialmente protegido, está-se

    conferindo elevado grau de casuísmo à edição de

    normas que, por sua natureza, devem prever

    situações abstratas.

    Com efeito, além de se impedir os órgãos

    públicos ambientais de autorizar ou licenciar

    qualquer tipo de intervenção em espaços protegidos,

    ter-se-á a necessidade de lei específica para cada

    caso de supressão de vegetação em tais áreas, desde

    a implantação de um pequeno corredor de acesso de

    pessoas para obtenção de água, por exemplo, até a

    construção de portos, gasodutos, hidrelétricas,

    dentre inúmeras outras atividades de suma

    relevância para o desenvolvimento nacional. Da

    mesma forma, com a concessão da medida cautelar,

    para que se possa derrubar uma árvore em área

    protegida, é necessário que se edite uma lei.

    Para que se possa vislumbrar a inviabilidade

    deste entendimento, vale transcrever trecho da

    Informação nº 460 /2005/CONJUR/MMA (em anexo), ‘in

    verbis’:

    ‘24. Da mesma forma, haverá necessidade de

    lei específica, em sentido estrito, para que

    possa ocorrer a supressão de uma árvore em área

    de Reserva Legal. Cada autorização de corte

    deve, no entendimento exposto pelo Procurador-

    -Geral da República e acolhido, cautelarmente,

    pelo Presidente do STF, ser objeto de aprovação

    de uma lei em sentido formal. Importante

    referir que a Reserva Legal abrange 80% da área

    das propriedades rurais situadas na Amazônia

    Legal, 35% da área das propriedades rurais

    localizadas nas zonas de cerrado da Amazônia

    Legal e 20% da área das propriedades rurais

    localizadas nas demais regiões do país.

    25. Destaca-se, também, que supressão de

    qualquer vegetação em unidade de conservação

    dependerá de autorização legislativa, caso a

    caso. Vejamos o seguinte exemplo: a cidade de

    Brasília e sua região de entorno estão

    localizados no interior de uma Área de Proteção

    Ambiental (APA do Planalto Central), uma

    unidade de conservação de uso

    sustentável, criada nos termos do art. 15 da

    Lei nº 9.985 /00, que institui o Sistema

    Nacional de Unidades de Conservação. Vingando o

    entendimento exposto na peça inicial, toda e

    qualquer intervenção nos recursos naturais,

    como o simples corte de uma árvore exótica,

    somente será possível após lei autorizativa

    específica.’

    Diante desse panorama, resta clara a

    improcedência da alegação no sentido de se exigir

    lei específica para cada supressão de vegetação em

    área especialmente protegida. Esvazia-se o Poder

    Executivo, através dos órgãos competentes, de suas

    atribuições, abarrotando-se o Poder Legislativo -

    Federal, Estadual e Municipal - de projetos de leis

    desnecessárias.

    Observe-se, ainda, que aquele que pretender a

    supressão de vegetação em área protegida terá de se

    submeter à realização de ‘lobbies’ junto ao

    Congresso Nacional, à Assembléia Legislativa ou à

    Câmara dos Vereadores, conforme o ente federativo

    ao qual esteja sujeita a área que se pretende

    desmatar. (...).

    Outro aspecto de relevo é a alegação do

    requerente de que a autorização, pelo gestor

    ambiental local, de supressão de vegetação em área

    de preservação permanente, por ser fundada

    ‘unicamente na discricionariedade (...) de dizer o

    que é utilidade pública’, poderia viabilizar a

    extinção destes espaços ‘por exclusivos interesses

    econômicos, especialmente minerários’. Ora, é

    evidente que a discricionariedade de que se

    revestem os atos administrativos não permite que se

    possa realizá-los em desconformidade com as

    restrições legais e constitucionais. Assim, para

    que o gestor ambiental confira a autorização para a

    supressão de vegetação em APP, ele deverá observar

    também a legalidade, a moralidade e todos os demais

    princípios que regem o Direito Administrativo.

    Diante de todo o exposto, conclui-se que não se

    faz presente o requisito do ‘ fumus boni iuris’ para

    a concessão da medida cautelar.” ( grifei )

    Sem prejuízo do reconhecimento da procedência de todos

    esses elementos expostos pelo Senhor Presidente da República, em

    defesa da plena validade constitucional do diploma normativo ora

    questionado, não constitui demasia destacar, na linha desse mesmo

    entendimento, a precisa observação expendida por ÉDIS MILARÉ

    (“Direito do Ambiente”, p. 220/222, item n. 8.4, 2000, RT), em

    magistério no qual ressalta, tendo presente o que dispõe o art. 225, § 1º, III, da Constituição , que não depende de lei o ato da Pública

    Administração que autoriza, licencia ou permite a execução de obras

    ou de atividades nos espaços territoriais especialmente protegidos.

    Eis, no ponto, Senhor Presidente, a lição desse

    eminente autor:

    “Os ‘espaços territoriais especialmente protegidos’

    a que alude a Constituição figuram hoje no rol dos

    Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente

    (...). Vale dizer, o espaço territorial especialmente

    protegido é um dos instrumentos jurídicos para a

    implementação do direito constitucional ao ambiente

    hígido e equilibrado, em particular no que se refere à

    estrutura e funções dos ecossistemas.

    Na prática, confundem-se eles com as conhecidas

    ‘unidades de conservação’, ou seja, aquelas áreas de

    interesse ecológico que, por características naturais

    relevantes, recebem tratamento legal próprio, de molde

    a reduzir a possibilidade de intervenções danosas ao

    meio ambiente.

    ...................................................

    Os espaços territoriais especialmente protegidos

    têm sido criados ora por lei, ora por decreto,

    definindo-se seus limites e estabelecendo-se a

    disciplina do uso, conservação ou preservação de seu

    território e dos recursos nele existentes.

    É nesse contexto que se deve entender a Constituição .

    O Poder Público deve definir espaços territoriais a

    serem protegidos. Pode fazê-lo por lei ou por decreto.

    Porém, a alteração ou supressão desses espaços só pode

    ser feita por lei, mesmo se criados, delimitados e

    disciplinados por decreto.

    Questão que tem suscitado controvérsia diz com a

    necessidade de ‘lei’ para executar qualquer obra ou

    serviço nesses espaços territoriais, mesmo quando

    admissíveis nos termos da lei ou do decreto que

    instituiu e disciplinou qualquer desses territórios

    protegidos.

    Pensamos que a alteração e a supressão sujeitas à

    lei são as do próprio regime jurídico que rege o espaço

    protegido. Vale dizer, depende de lei a alteração ou

    revogação da legislação - portanto também do decreto -

    que institui, delimita e disciplina esse espaço

    protegido. Não depende de lei o ato administrativo que,

    nos termos da legislação que disciplina esse espaço,

    nele autoriza, licencia ou permite obras ou atividades.

    Com efeito, os Poderes Legislativo, Executivo e

    Judiciário são independentes e harmônicos entre si

    (art. 2.º da Constituição). Ao Poder Legislativo cabe

    fazer as leis (normas impessoais e gerais) que

    disciplinam determinada matéria, no caso o espaço

    territorial protegido. Ao Poder Executivo cabe executar

    as leis e praticar os atos administrativos (atos

    específicos e determinados) que, à luz da lei, decidem

    as pretensões dos administrados.

    Entender que ato administrativo, no caso, depende de

    lei é subverter o sistema constitucional das competências

    dos três poderes, atribuindo ao Legislativo o que é de

    competência do Executivo. Para que isso fosse possível

    seria necessária expressa previsão constitucional, como é

    o caso do § 6.º do art. 225 da Constituição , que sujeita

    à lei a localização de usinas nucleares.

    À míngua dessa exceção, conclui-se, portanto: não

    depende de lei o simples ato administrativo que,

    vinculado à norma legal que disciplina determinado

    espaço territorial protegido, decide sobre obras ou

    atividades a serem nele executadas.” (grifei)

    Esse entendimento é também exposto por JOSÉ AFONSO DA

    SILVA (“Direito Ambiental Constitucional”, p. 174/176, item n. 6,

    4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros), cujo magistério vale reproduzir,

    “in extenso”:

    “O art. 4º, com redação da Medida

    Provisória 2.166-67, de 2001 , estatui que a

    ‘supressão de vegetação’ em área de preservação

    permanente somente poderá ser autorizada em caso de

    utilidade pública ou interesse social, devidamente

    caracterizados e motivados em procedimento

    administrativo próprio, quando inexistir alternativa

    técnica e locacional ao empreendimento proposto. A

    autorização há de ser dada pelo órgão ambiental

    estadual competente, com anuência prévia, quando

    couber, do órgão federal ou municipal de meio

    ambiente; mas se a área estiver situada em área

    urbana, a autorização do órgão ambiental competente

    só poderá ocorrer se o Município possuir Conselho de

    Meio Ambiente com caráter deliberativo e Plano

    Diretor, e ainda dependerá de anuência prévia do

    órgão ambiental estadual competente e deverá ser

    fundamentada em parecer técnico. Em qualquer caso, o

    órgão ambiental competente, antes de emitir a

    autorização, terá que indicar as medidas mitigadoras

    e compensatórias que deverão ser adotadas pelo

    empreendedor. Aqui (...) expressamente está admitida

    a supressão de vegetação em área de preservação

    permanente por força da lei; é o que se autoriza no

    § 5º do art. 4º , com cautela e rígida limitação, em

    relação à vegetação nativa protetora de nascente ou

    de dunas e mangues, apenas em caso de utilidade

    pública.

    Veja-se que aqui não se admite a supressão de áreas

    de preservação permanente em si, mas apenas a

    ‘supressão de vegetação’. A diferença de redação em

    relação ao art. 3º, § 1º (supressão total ou parcial),

    orienta a compreensão do art. 4º , que não autoriza o

    corte raso. Além de todas as cautelas e limitações

    formais indicadas acima com base nos parágrafos do

    art. 4º, a supressão de vegetação só será admissível no

    caso de utilidade pública e interesse social. Para tal

    efeito, a própria lei define esses institutos. Têm-se

    como ‘utilidade pública’ (a) as atividades de segurança

    nacional e proteção sanitária, (b) as obras essenciais

    de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de

    transporte, saneamento e energia e (c) demais obras,

    planos, atividades ou projetos previstos em resolução

    do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA

    (art. 1º, § 2º, IV ); e como ‘interesse social’ (a) as

    atividades imprescindíveis à proteção da integridade da

    vegetação nativa, tais como prevenção, combate e

    controle do fogo, controle da erosão, erradicação de

    invasores e proteção de plantios com espécies nativas,

    conforme resolução do CONAMA, (b) as atividades de

    manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena

    propriedade ou posse rural familiar que não

    descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a

    função ambiental da área e (c) demais obras, planos,

    atividades ou projetos definidos em resolução do

    CONAMA.

    Vê-se que a ‘utilidade pública’ inclui obras,

    atividades e serviços públicos ainda quando o

    empreendimento seja realizado por particulares, tais

    como concessionários de serviços públicos. Daí a razão

    do disposto no § 6º do art. 4º quando declara que na

    implantação de reservatório artificial é obrigatória a

    desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das

    áreas de preservação permanente criadas no seu entorno,

    cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por

    resolução do CONAMA. Já no caso de ‘interesse social’,

    a supressão de vegetação em área de preservação

    permanente só é admitida no interesse da proteção da

    própria área. Tanto no caso da utilidade pública como

    no de interesse social se dá uma faculdade ao CONAMA

    para, mediante resolução, definir demais obras, planos,

    atividades ou projetos que possam gerar a possibilidade

    de supressão da vegetação na área de preservação

    permanente. É preciso que se esclareça que a faculdade

    que assim se confere ao CONAMA não é um cheque em

    branco que o autorize a aplicar os ditames legais: tais

    obras, planos, atividades e projetos hão que se

    enquadrar na mesma natureza dos que foram enumerados,

    respectivamente, como de utilidade pública e de

    interesse social.” Ve-se, portanto, que somente a alteração e a supressão

    do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente

    protegidos, tanto quanto a própria alteração e supressão desses

    mesmos espaços territoriais, é que se qualificam, por efeito da

    cláusula inscrita no art. 225 , § 1º , III , da Constituição , como

    matérias sujeitas ao princípio da reserva de lei formal.

    Quando se tratar, porém, de execução de obras ou de

    serviços a serem realizados em tais espaços territoriais, cumpre

    reconhecer que, observadas as restrições, limitações e exigências

    abstratamente estabelecidas em lei, tornar-se-á lícito ao Estado –

    qualquer que seja o nível em que se posicione na estrutura

    federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) –

    autorizar, licenciar ou permitir a realização de tais atividades no

    âmbito do espaço territorial submetido a regime jurídico de proteção

    especial.

    Todas essas razões, associadas aos pronunciamentos

    emanados das entidades intervenientes, convencem-me, ao menos em

    juízo de estrita delibação, de que a pretensão de

    inconstitucionalidade deduzida pelo eminente Senhor Procurador-Geral

    da República não se reveste da necessária plausibilidade jurídica.

    Cabe referir, também, por necessário, que não me parece

    devidamente caracterizada a situação configuradora de “periculum in

    mora”.

    Tenho para mim, sob tal perspectiva, que a

    descaracterização desse pressuposto essencial à concessão do

    provimento cautelar deriva de uma relevante circunstância de ordem

    temporal, eis que o diploma normativo em questão, embora reeditado

    em 24/08/2001 (há mais de quatro anos, portanto – fls. 16), só veio

    a ser impugnado, nesta sede de fiscalização abstrata, em 18/07/2005

    (fls. 02).

    Vale registrar, neste ponto, não obstante a presente

    impugnação tenha por objeto a MP nº 2.166 -67/2001 , que as alterações

    introduzidas no art. do Código Florestal resultaram de diploma

    normativo anterior consubstanciado na MP nº 1.956 -50 , de 26/05/2000.

    A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao

    pronunciar-se sobre esse específico aspecto concernente à questão do

    “ periculum in mora ”, já advertiu que “O tardio ajuizamento da ação

    direta de inconstitucionalidade, quando já decorrido lapso temporal

    considerável desde a edição do ato normativo impugnado,

    desautoriza - não obstante o relevo jurídico da tese deduzida - o

    reconhecimento da situação configuradora do periculum in mora, o

    que inviabiliza a concessão da medida cautelar postulada”

    (RTJ 152/692-693, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

    Há, ainda, um outro aspecto que assume relevo na

    espécie ora em exame, considerada a preocupação revelada pelo

    eminente Senhor Ministro-Presidente desta Suprema Corte, quando, em

    sua decisão, assinalou que “a extração de minério causa danos

    irreparáveis e irreversíveis ao meio ambiente, eis que a área em que

    a atividade for desenvolvida não voltará ao seu estado anterior,

    presente por este motivo o ‘periculum in mora’” (fls. 26).

    Refiro-me ao fato de que, tal como bem observou o

    Senhor Presidente da República, a própria Constituição Federal , ao

    autorizar a interferência humana no meio ambiente, com propósitos

    empresariais voltados à exploração econômica de recursos minerais,

    impôs medida destinada a permitir a restauração das áreas afetadas

    por tal atividade, prescrevendo, em seu art. 225, § 2º , que “Aquele

    que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio

    ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão

    público competente, na forma da lei”.

    É por tal motivo que o Chefe do Poder Executivo da

    União fez consignar, nestes autos, a seguinte observação (fls. 191):

    “(...) é evidente que as resoluções que autorizem a exploração de

    recursos minerais observarão este ditame constitucional, não

    existindo, portanto, o risco apontado na inicial e na decisão

    concessiva de medida cautelar”.

    Cumpre também destacar, neste ponto, as conseqüências,

    que, derivadas da decisão ora em exame, já começam a se verificar,

    gerando, na espécie, verdadeiro “periculum in mora” em sentido

    inverso, cuja ocorrência recomenda a pronta restauração da eficácia

    da Medida Provisória em causa.

    Esse particular aspecto da questão assume especial

    gravidade, quando se tem presente a ponderação feita pelo Senhor

    Presidente da República, fundada, não em um receio puramente

    abstrato, mas apoiada em fatos efetivamente ocorrentes

    (fls. 191/193):

    “Na verdade, há a ocorrência de ‘periculum in mora’

    inverso, pois o deferimento da liminar, ao impor que

    qualquer supressão de vegetação se dê apenas mediante

    lei em sentido estrito, além de gerar interferência

    indevida do Poder Legislativo em seara que sempre

    pertenceu ao Poder Executivo, atingindo o princípio

    federativo, implicará na paralisação de atividades

    econômicas, obras de saneamento básico e outros

    serviços. (...).

    ...................................................

    Todavia, esta situação já está se verificando. A

    Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis

    Renováveis do Ministério de Minas e Energia, através do

    MEMO nº 165/05/SPG, em anexo, lista os processos de

    emissão de licença ambiental para a construção de

    gasodutos que estão suspensos em virtude da concessão

    da medida liminar: são investimentos que variam de

    US$ 172 milhões (cento e setenta e dois milhões de

    dólares) a US$ 1.300 milhões (um bilhão e trezentos

    milhões de dólares). Ressalte-se que a paralisação

    desses empreendimentos poderá comprometer o

    abastecimento de energia elétrica da Região Nordeste em

    2007, uma vez que as usinas termelétricas representam

    cerca de 30% (trinta por cento) da energia elétrica ali

    consumida. Com relação à Região Norte, a implantação do

    gasoduto Urucu-Porto Velho permitirá a utilização de

    gás natural em substituição ao óleo diesel e ao óleo

    combustível no abastecimento das usinas termelétricas

    do Estado de Rondônia, o que reduzirá custos e trará

    benefícios ao meio ambiente, através da menor emissão

    de gases poluentes.

    Esses são apenas alguns exemplos dos impactos da

    medida deferida na presente ação direta. São inúmeros

    os empreendimentos de pequeno, médio e grande porte que

    foram interrompidos à espera do devido equacionamento

    dessa questão, que, mantida nos termos atuais, gerará

    prejuízos incalculáveis ao país.” ( grifei)

    Cabe assinalar, Senhor Presidente, que igual

    preocupação foi também externada tanto pelos Estados-membros da

    Federação que ingressaram, como “amici curiae”, na presente relação

    processual, quanto pelas demais entidades intervenientes,

    consideradas as razões que produziram nestes autos e que renovaram,

    nesta sessão plenária, em suas sustentações orais.

    Concluo o meu voto: atento à circunstância de que

    existe um permanente estado de tensão entre o imperativo de

    desenvolvimento nacional ( CF , art. 3º , II), de um lado, e a

    necessidade de preservação da integridade do meio ambiente ( CF ,

    art. 225 ), de outro, torna-se essencial reconhecer que a superação

    desse antagonismo, que opõe valores constitucionais relevantes,

    dependerá da ponderação concreta, em cada caso ocorrente, dos

    interesses e direitos postos em situação de conflito, em ordem a

    harmonizá-los e a impedir que se aniquilem reciprocamente.

    Isso significa, portanto, Senhor Presidente, que a

    superação dos antagonismos existentes entre princípios e valores

    constitucionais há de resultar da utilização de critérios que

    permitam, ao Poder Público (e, portanto, aos magistrados e

    Tribunais), ponderar e avaliar, “hic et nunc”, em função de

    determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual

    deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a situação de

    conflito ocorrente, desde que, no entanto - tal como adverte o

    magistério da doutrina na análise da delicadíssima questão

    pertinente ao tema da colisão de direitos (DANIEL SARMENTO, “A

    Ponderação de Interesses na Constituição Federal” p. 193/203,

    “Conclusão”, itens ns. 1 e 2, 2000, Lumen Juris; LUÍS ROBERTO

    BARROSO, “Temas de Direito Constitucional”, p. 363/366, 2001,

    Renovar; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, “Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976”, p. 220/224, item n. 2, 1987,

    Almedina; J. J. GOMES CANOTILHO, “Direito Constitucional”, p. 661,

    item n. 3, 5ª ed., 1991, Almedina; EDILSOM PEREIRA DE FARIAS,

    “Colisão de Direitos”, p. 94/101, item n. 8.3, 1996, Fabris Editor;

    WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, “Colisão de Direitos Fundamentais e

    Princípio da Proporcionalidade”, p. 139/172, 2001, Livraria do

    Advogado Editora; SUZANA DE TOLEDO BARROS, “O Princípio da

    Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis

    Restritivas de Direitos Fundamentais”, p. 216, “Conclusão”, 2ª ed.,

    2000, Brasília Jurídica, v.g.) - a utilização do método da

    ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do

    conteúdo essencial dos direitos fundamentais, dentre os quais

    avulta, por sua significativa importância, o direito à preservação

    do meio ambiente.

    Essa asserção torna certo, portanto, que a incolumidade

    do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses

    empresariais nem ficar subordinada a motivações de índole meramente

    econômica.

    Daí os instrumentos jurídicos – de caráter legal e de

    natureza constitucional – que, previstos no ordenamento positivo,

    objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não

    se lhe alterem as propriedades físicas, químicas e biológicas, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança e bem-estar

    da população, além de afetar, com sérias conseqüências, a qualidade

    dos recursos ambientais e de causar graves danos ecológicos ao meio

    ambiente.

    Como precedentemente assinalado neste voto, o diploma

    normativo em causa, longe de comprometer os valores constitucionais

    consagrados no art. 225 da Lei Fundamental , estabeleceu mecanismos

    que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades

    desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em

    ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental,

    cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais

    intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pela MP nº 2.166 -67/2001 , no ponto em que introduziu

    significativas alterações no art. do Código Florestal .

    Sendo assim, e tendo em consideração as razões

    expostas, peço vênia para propor, a este Egrégio Plenário, não seja

    referendada a r. decisão que deferiu o pedido de medida cautelar,

    restaurando-se, desse modo, em plenitude, a eficácia e a

    aplicabilidade do diploma legislativo ora impugnado nesta sede de

    fiscalização abstrata.

    É o meu voto.

    ADI 3.540-MC / DF"

    Leia notícia sobre esse julgamento no link abaixo:

    http://www.expressodanoticia.com.br/index.php?pagid=_:,jvml&id=13&tipo=>*H|w&esq=_:,jvml&id_mat=2684

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