Voto do ministro Celso de Mello na ADI sobre alteração no Código Florestal - íntegra
Os dispositivos do Código Florestal que estavam suspensos por liminar voltam a ter eficácia. Em decisão por maioria (sete votos contra dois), o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) revogou a liminar anteriormente concedida pelo ministro-presidente, Nelson Jobim, nas férias de julho.
A liminar havia sido deferida na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3540 , proposta pelo procurador-geral da República. A ação contesta o artigo 1º da Medida Provisória nº 2.166 /01 na parte em que alterou o artigo 4º, parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º , 6º e 7º do Código Florestal (Lei 4.771 /65 ). Esses dispositivos prevêem a alteração ou supressão de vegetação de área de preservação permanente por meio de autorização dos órgãos ambientais do Poder Executivo.
Leia, abaixo, a íntegra do votoproferido pelo ministro Celso de Mello:
"1º/09/2005 TRIBUNAL PLENO
MED. CAUT. EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3.540-1 DISTRITO
FEDERAL
RELATOR : MIN. CELSO DE MELLO
REQUERENTE (S) : PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA
REQUERIDO (A/S) : PRESIDENTE DA REPÚBLICA
ADVOGADO (A/S) : ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO
INTERESSADO (A/S) : ESTADO DE SÃO PAULO
ADVOGADO (A/S) : PGE-SP - JOSE DO CARMO MENDES JUNIOR
INTERESSADO (A/S) : ESTADO DE MINAS GERAIS
ADVOGADO (A/S) : JOSÉ BONIFÁCIO BORGES DE ANDRADA E OUTROS
INTERESSADO (A/S) : CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA - CNI
ADVOGADO (A/S) : MARIA LUIZA WERNECK DOS SANTOS
INTERESSADO (A/S) : ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
ADVOGADO (A/S) : PGE - ES MARIA CHRISTINA DE MORAES
INTERESSADO (A/S) : ESTADO DA BAHIA
ADVOGADO (A/S) : PGE - BA CÂNDICE LUDWIG ROMANO
INTERESSADO (A/S) : INSTITUTO BRASILEIRO DE MINERAÇÃO - IBRAM
ADVOGADO (A/S) : MARCELO LAVOCAT GALVÃO
INTERESSADO (A/S) : ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL
ADVOGADO (A/S) : PGE-MS ULISSES SCHWARZ VIANA
INTERESSADO (A/S) : ESTADO DO AMAZONAS
ADVOGADO (A/S) : PGE-AM PATRÍCIA CUNHA E SILVA PETRUCCELLI
E OUTRA
R E L A T Ó R I O
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): O
eminente Senhor Procurador-Geral da República, ao ajuizar a presente
ação direta, argüiu a inconstitucionalidade do art. 4º, caput e §§ 1º a 7º , da Lei nº 4.771 , de 15/09/1965 (Código Florestal ), na
redação dada pela Medida Provisória nº 2.166 -67, de 24/08/2001 .
As normas legais ora impugnadas possuem o seguinte
conteúdo material (fls. 09/16):
Art. 4º A supressão de vegetação em área de
preservação permanente somente poderá ser autorizada em
caso de utilidade pública ou de interesse social,
devidamente caracterizados e motivados em procedimento
administrativo próprio, quando inexistir alternativa
técnica e locacional ao empreendimento proposto. § 1º A supressão de que trata o caput deste
artigo dependerá de autorização do órgão ambiental
estadual competente, com anuência prévia, quando
couber, do órgão federal ou municipal de meio ambiente,
ressalvado o disposto no § 2º deste artigo. § 2º A supressão de vegetação em área de
preservação permanente situada em área urbana,
dependerá de autorização do órgão ambiental competente,
desde que o município possua conselho de meio ambiente
com caráter deliberativo e plano diretor, mediante
anuência prévia do órgão ambiental estadual competente
fundamentada em parecer técnico. § 3º O órgão ambiental competente poderá autorizar
a supressão eventual e de baixo impacto ambiental,
assim definido em regulamento, da vegetação em área de
preservação permanente. § 4º O órgão ambiental competente indicará,
previamente à emissão da autorização para a supressão
de vegetação em área de preservação permanente, as
medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser
adotadas pelo empreendedor. § 5º A supressão de vegetação nativa protetora de
nascentes, ou de dunas e mangues, de que tratam,
respectivamente, as alíneas c e f do art. 2º deste
Código, somente poderá ser autorizada em caso de
utilidade pública. § 6º Na implantação de reservatório artificial é
obrigatória a desapropriação ou aquisição, pelo
empreendedor, das áreas de preservação permanente
criadas no seu entorno, cujos parâmetros e regime de
uso serão definidos por resolução do CONAMA. § 7º É permitido o acesso de pessoas e animais às
áreas de preservação permanente, para obtenção de água,
desde que não exija a supressão e não comprometa a
regeneração e a manutenção a longo prazo da vegetação
nativa. (grifei)
O eminente Senhor Ministro-Presidente do Supremo
Tribunal Federal, durante o período de férias forenses (julho de
2005), ao suspender, cautelarmente, a eficácia e aplicabilidade do
art. 1º da Medida Provisória nº 2.166 -67, de 24/08/2001 , na parte em
que alterou o art. 4º, caput e parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º , da Lei nº 4.771 , de 15 de setembro de 1965 , que instituiu o Código Florestal , proferiu decisão que tem o seguinte conteúdo
(fls. 23/27):
O PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA ajuíza ADI contra
o art. 1º da Medida Provisória nº 2.166 -67, de 24
agosto de 2001 , na parte em que alterou o art. 4º,
caput e parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º da
Lei nº 4.771 , de 15 de setembro de 1965 .
Aponta a inconstitucionalidade formal dos referidos
dispositivos por violação ao art. 225 , § 1º, III, da Constituição Federal .
Está na inicial:
..............................
[os dispositivos ora atacados] tornam possível
a supressão de área de preservação permanente
mediante mera autorização administrativa do órgão
ambiental, quando, em verdade, o legislador
constituinte determinou que tal supressão somente
poderá ocorrer por meio de lei formal.
..............................
... somente a lei em sentido formal e
específica, entendida esta como o ato normativo
emanado do Poder Legislativo e elaborada segundo os
preceitos do devido processo legislativo
constitucional, poderá autorizar a alteração e/ou
supressão dos espaços territoriais especialmente
protegidos...
..............................
Alega que o CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE -
CONAMA, com fundamento na Medida Provisória atacada
..............................
...está prestes a autorizar, por meio de
resolução, que o gestor ambiental local apure a
'utilidade pública' de um empreendimento de
mineração e autorize, sem lei, a supressão da
vegetação em área de preservação permanente.
.............................. (fl. 7)
E que
..............................
Tal fato... poderá acarretar prejuízos
irreparáveis ao bem ambiental, uma vez que fundado
unicamente na discricionariedade do gestor
ambiental de dizer o que é utilidade pública,
quando essa avaliação evidentemente extrapola a
questão ambiental. [via de conseqüência] Abre-se a
porta, por exclusivos interesses econômicos,
especialmente minerários, para a extinção de
espaços territoriais protegidos e essenciais à
proteção e defesa dos ecossistemas.
.............................. (fl. 7)
E ainda que
..............................
A 78ª Reunião do CONAMA será realizada nos
próximos dias 27 e 28 de julho de 2005..., o que
comprova a necessidade de concessão de
medida cautelar com base no art. 10, § 3º, da
Lei nº 9.868 /99, 'sem a audiência dos órgãos ou das
autoridades das quais emanou a lei ou o ato
normativo impugnado'.
.............................. (fl. 7)
Requer a concessão de medida cautelar com
fundamento no art. 10 , § 3º , da Lei 9.868 /99 e no
art. 170 do Regimento Interno.
Decido.
Em exame prévio, verificam-se presentes os
pressupostos necessários para o deferimento da medida
cautelar.
A inicial anuncia a proximidade da 78ª Reunião
Ordinária do CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE -
CONAMA, órgão consultivo e deliberativo do SISNAMA -
SISTEMA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, que será realizada
nos dias 27 e 28 de julho de 2005 (fls. 17/20).
Ocorre que, com fundamento no art. 4º da Medida
Provisória ora impugnada, o CONAMA , por meio de
Resolução, pode vir a autorizar o gestor ambiental local
a suprimir a vegetação de uma área de preservação
permanente, para fins de empreendimento de mineração
(fl. 7).
A Constituição Federal impõe ao Poder Público o
dever de defender e proteger o meio ambiente para as
presentes e futuras gerações ( art. 225, caput, da
CF ).Ora, a extração de minério causa danos irreparáveis
e irreversíveis ao meio ambiente, eis que a área em que
a atividade for desenvolvida não voltará ao seu estado
anterior, presente por este motivo o periculum in
mora .
O fumus boni iuris encontra-se na norma
constitucional ( art. 225 , § 3º , III , da CF ) que
autoriza a supressão de área de preservação permanente
somente por lei.
Daí que a concessão da medida permitirá uma análise
mais aprofundada sobre o tema e, ao mesmo tempo, não
impedirá o perecimento do direito de eventuais
interessados na exploração ambiental.
Assim, defiro o pedido de medida cautelar para
suspender, ad referendum do Plenário, até o
julgamento final desta ação, a eficácia do art. 4º,
caput, e parágrafos 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º, da
Lei nº 4.771 , de 15 de setembro de 1965 .
Comunique-se, com urgência, o teor desta decisão ao
Diretor do CONAMA e ao Procurador-Geral da República.
Solicitem-se informações. (grifei)
O Senhor Presidente da República prestou as informações
que lhe foram solicitadas (fls. 48/133) e, nelas, defendeu a
legitimidade constitucional da Medida Provisória n. 2.166 -67/2001 ,
editada por seu antecessor, assinalando que o diploma legislativo em
causa não transgrediu a norma constitucional de parâmetro ( CF ,
art. 225, § 1º, n. III) .
Em conseqüência de tal posição, o Chefe do Poder
Executivo da União pediu a reconsideração do ato decisório ora
submetido ao referendo desta Suprema Corte (fls. 178/195),
destacando, com apoio em parecer do ilustre Consultor Jurídico do
Ministério do Meio Ambiente, Dr. GUSTAVO TRINDADE, as seguintes
conclusões:
I - as áreas de preservação permanente incluem-se
no conceito de espaços especialmente protegidos, nos
termos do art. 225 , § 1º , inciso III da Constituição Federal, juntamente com as Unidades de Conservação e a
Reserva Legal;
II - a interpretação/aplicação dos preceitos
constitucionais em debate não podem desbordar da lógica
do razoável. Com efeito, o preceito constitucional em
foco não poderá conduzir à conclusão de que qualquer
atividade humana, em espaços territoriais
especialmente protegidos, dependa, diretamente, de
autorização legislativa. A interpretação do enunciado
em tais termos esvaziaria a ação administrativa,
concentrando-a no Parlamento; III - o texto constitucional em análise expressa a
necessidade de lei especifica para a alteração e a
supressão de espaços territoriais especialmente
protegidos, jamais para a supressão de vegetação nestas
áreas. O corte de vegetação em área de preservação
permanente não acarreta a supressão da APP, tanto que o Código Florestal Federal reconhece, textualmente
( art. 1º, § 2º, inciso II ), a existência de área de
preservação permanente, mesmo em espaços desprovidos de
vegetação; IV - não depende de lei o ato administrativo que,
nos termos da legislação que disciplina referido
espaço, nele autoriza, licencia ou permite obras ou
atividade; V o art. 225 , § 1º , inciso III da Constituição Federal determina uma dupla condição para que se
promovam alterações ou supressões de espaços
territoriais especialmente protegidos: a) existência de
prévia lei autorizativa e b) vedação de qualquer
utilização que comprometa a integridade dos atributos
que justifiquem sua proteção; VI - a lei autorizativa para uma eventual supressão
de vegetação em área de preservação permanente
estabelecida pelo artigo 4º é o próprio Código Florestal ( art. 3º, § 1º e art. 4º ). Portanto, não há
necessidade de uma lei específica que autorize a
supressão de vegetação em área de preservação
permanente;
VII - a segunda condição constitucional, para que
se possa alterar ou suprimir um espaço territorial
especialmente protegido, é que tal alteração ou
supressão não implique qualquer utilização que
comprometa a integridade dos atributos que justifiquem
sua proteção. Tal dispositivo só pode ser compreendido
em consonância com a exigência constitucional do
licenciamento ambiental para obras ou atividades
potencialmente poluidoras ou causadoras de degradação
do meio ambiente;
VIII - entender que não é possível aos órgãos
ambientais autorizar a supressão de vegetação em APP,
cabendo tal possibilidade, exclusivamente, ao Poder
Legislativo é subverter o sistema constitucional das
competências dos três poderes, atribuindo ao
Legislativo o que é de competência do Executivo. Não
depende de lei o simples ato administrativo, que,
vinculado à norma geral legal que disciplina o uso de
determinado espaço territorial especialmente protegido,
decide sobre obras ou atividades a serem nele
executadas; IX - com as modificações introduzidas na legislação
ambiental, as áreas de preservação permanente se
consolidaram como espaços em regra insuscetíveis de
utilização, ressalvados os casos em que, constatada a
presença dos requisitos previstos em lei, o órgão
ambiental competente possa, com fulcro no interesse
público, devidamente caracterizado e motivado em
procedimento administrativo próprio, autorizar a
retirada da vegetação e a conseqüente intervenção
nesses locais; X - assim sendo, as disposições do art. 4º do Código Florestal Federal encontram-se em perfeita
harmonia com a Constituição Federal , em especial o seu
art. 225, § 1º, inciso III. (grifei)
Os Estados de Minas Gerais (fls. 139/150), de São Paulo
(fls. 153/154), do Espírito Santo (fls. 268/274), da Bahia
(fls. 280/285), de Mato Grosso do Sul (fls. 328/341) e do Amazonas
(fls. 364/377), bem assim a Confederação Nacional da Indústria CNI
(fls. 205/239) e o Instituto Brasileiro de Mineração IBRAMAM
(fls. 294/295), foram por mim admitidos na presente relação
processual (fls. 201, 203, 264, 277, 287, 326, 343 e 379), na
condição formal de amici curiae ( Lei nº 9.868 /99, art. 7º , § 2º ),
cabendo assinalar que esses intervenientes, ao sustentarem a plena
validade constitucional da Medida Provisória em referência, postulam
não seja referendada a r. decisão proferida pelo eminente Senhor
Ministro-Presidente desta Suprema Corte.
Para os fins a que se refere o art. 21, inciso V, do RISTF , submeto a decisão em causa ao exame do Egrégio Plenário do
Supremo Tribunal Federal.
É o relatório .
V O T O
O SENHOR MINISTRO CELSO DE MELLO - (Relator): Trata-se
de ação direta, que, ajuizada pelo eminente Procurador-Geral da
República, objetiva o reconhecimento da inconstitucionalidade do
artigo 1º da Medida Provisória nº 2.166 -67, de 24/08/2001 , na parte
em que alterou o art. 4º, caput e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º,
da Lei nº 4.771 , de 15/09/1965 , que instituiu o Código Florestal .
O eminente Chefe do Ministério Público da União, ao
deduzir a pretensão de inconstitucionalidade que motivou a decisão
ora objeto de apreciação por esta Suprema Corte, sustenta que a
referida Medida Provisória teria ofendido a norma inscrita no
art. 225 , § 1º , inciso III , da Constituição Federal , que assim
dispõe:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao
poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito,
incumbe ao Poder Público:
............................................... III - definir, em todas as unidades da
Federação, espaços territoriais e seus componentes
a serem especialmente protegidos, sendo a alteração
e a supressão permitidas somente através de lei,
vedada qualquer utilização que comprometa a
integridade dos atributos que justifiquem sua
proteção. (...). (grifei)
O autor da presente ação direta, para sustentar a
pretendida declaração de inconstitucionalidade, apóia-se na alegação
de que, em face da norma de parâmetro supostamente transgredida pela
Medida Provisória em causa, os atos de modificação e/ou de supressão
dos espaços territoriais especialmente protegidos submetem-se ao
postulado constitucional da reserva absoluta de lei em sentido
formal (fls. 04/07):
Depreende-se desta norma constitucional que
somente a lei em sentido formal e específica, entendida
esta como o ato normativo emanado do Poder Legislativo
e elaborada segundo os preceitos do devido processo
legislativo constitucional, poderá autorizar a
alteração e/ou supressão dos espaços territoriais
especialmente protegidos, condicionada à integridade
dos atributos que justifiquem sua proteção.
Nesta esteira de raciocínio, tem-se, portanto, que
a competência para autorizar qualquer supressão de área
de preservação permanente é exclusiva do Poder
Legislativo, não sendo tal competência objeto de
delegação a autoridade administrativa, in casu , órgão
ambiental.
Não obstante o citado mandamento constitucional, a
Medida Provisória 2.166 -67/2001 , nos dispositivos supra
transcritos, transgredindo a ordem vigente, tornou
possível que o gestor de um órgão ambiental, portanto,
de natureza administrativa, subtraia uma competência
que o Poder Constituinte atribui expressamente ao
Legislativo.
Deste modo, a Medida Provisória , ineludivelmente,
viola o Princípio da Reserva Legal consubstanciado no
art. 225 , § 1º , inciso III , da Carta Política , eis que
a expressão contida no dispositivo sendo a alteração
ou supressão permitidas somente através de lei -
abriga uma manifestação absoluta do Princípio da
Reserva Legal, implicando dizer que a Constituição
excluiu qualquer outra fonte infralegal para
disciplinar a matéria.
...................................................
Ressai, assim, que as áreas de preservação
permanente são espécies do gênero espaço
territorialmente protegido, recaindo sobre elas a
vedação imposta pelo dispositivo constitucional que não
permite a sua alteração ou supressão, exceto quando
prevista em lei.
Portanto, é evidente a inconstitucionalidade dos
dispositivos citados, pois somente a lei em sentido
estrito e específica poderá dispor das áreas de
preservação permanente e, ainda assim, desde que
cuidando de não comprometer a integridade dos
atributos que justifiquem sua proteção ( art. 225,
§ 1º, III ). A lei em hipótese alguma pode delegar ao
administrador ou a ato normativo infralegal o poder de
determinar as hipóteses, em tese, ou os pressupostos
para a supressão de APP, ainda que criadas por ato
administrativo. (grifei)
O exame da pretensão cautelar deduzida pelo eminente
Procurador-Geral da República que veio a ser acolhida, no período
de férias forenses, pelo Excelentíssimo Senhor Ministro-Presidente
do Supremo Tribunal Federal, em decisão ora submetida ao referendo
desta Corte impõe algumas considerações preliminares em torno
da relevantíssima questão constitucional pertinente à proteção do
meio ambiente.
Todos sabemos que os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Política traduzem, na concreção de seu alcance, a consagração
constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das
mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais
contemporâneas.
Essa prerrogativa, que se qualifica pelo seu caráter
de metaindividualidade, consiste no reconhecimento de que todos têm
direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Trata-se, consoante já o proclamou o Supremo Tribunal
Federal (RTJ 158/205-206, Rel. Min. CELSO DE MELLO), com apoio em
douta lição expendida por CELSO LAFER (A reconstrução dos Direitos
Humanos, p. 131/132, 1988, Companhia das Letras), de um típico
direito de terceira geração, que assiste, de modo subjetivamente
indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que
justifica a especial obrigação - que incumbe ao Estado e à própria
coletividade - de defendê-lo e de preservá-lo em benefício das
presentes e futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam,
no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeneracionais
marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da
integridade desse bem essencial de uso comum de todos quantos
compõem o grupo social.
Vale referir, Senhor Presidente, neste ponto, até mesmo
em face da justa preocupação revelada pelos povos e pela comunidade
internacional em tema de direitos humanos, que estes, em seu
processo de afirmação e consolidação, comportam diversos níveis de
compreensão e abordagem, que permitem distingui-los em ordens
sucessivas resultantes de sua evolução histórica.
Nesse contexto, e tal como enfatizado por esta Suprema
Corte (RTJ 164/158-161), impende destacar, na linha desse processo
evolutivo, os direitos de primeira geração (direitos civis e
políticos), que compreendem as liberdades clássicas, negativas ou
formais, e que realçam o princípio da liberdade.
Os direitos de segunda geração (direitos econômicos,
sociais e culturais), de outro lado, identificam-se com as
liberdades positivas, reais ou concretas, pondo em relevo, sob tal
perspectiva, o princípio da igualdade.
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que os direitos de
terceira geração, que materializam poderes de titularidade coletiva
atribuídos, genericamente, e de modo difuso, a todos os integrantes
dos agrupamentos sociais, consagram o princípio da solidariedade e
constituem, por isso mesmo, ao lado dos denominados direitos de
quarta geração (como o direito ao desenvolvimento e o direito à
paz), um momento importante no processo de expansão e reconhecimento
dos direitos humanos, qualificados estes, enquanto valores
fundamentais indisponíveis, como prerrogativas impregnadas de uma
natureza essencialmente inexaurível, consoante proclama autorizado
magistério doutrinário (CELSO LAFER, Desafios: ética e política,
p. 239, 1995, Siciliano).
Cumpre rememorar, bem por isso, na linha do que vem de
ser afirmado, a precisa lição ministrada por PAULO BONAVIDES (Curso
de Direito Constitucional, p. 481, item n. 5, 4ª ed., 1993,
Malheiros), que confere particular ênfase, dentre os direitos de
terceira geração, ao direito a um meio ambiente ecologicamente
equilibrado:
Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do
homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e
da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e
universalidade, os direitos da terceira geração tendem
a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos
que não se destinam especificamente à proteção dos
interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um
determinado Estado. Têm primeiro por destinatário o
gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua
afirmação como valor supremo em termos de
existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já
os enumeram com familiaridade, assinalando-lhes o
caráter fascinante de coroamento de uma evolução de
trezentos anos na esteira da concretização dos direitos
fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas
referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente,
à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade.
(grifei)
A preocupação com a preservação do meio ambiente - que
hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em
favor das gerações futuras - tem constituído, por isso mesmo, objeto
de regulações normativas e de proclamações jurídicas, que,
ultrapassando a província meramente doméstica do direito nacional de
cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações
internacionais, que refletem, em sua expressão concreta, o
compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito
fundamental que assiste a toda a Humanidade.
A questão do meio ambiente, hoje, especialmente em
função da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972) e das
conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e
Desenvolvimento (Rio/92), passou a compor um dos tópicos mais
expressivos da nova agenda internacional (GERALDO EULÁLIO DO
NASCIMENTO E SILVA, Direito Ambiental Internacional, 2ª ed., 2002,
Thex Editora), particularmente no ponto em que se reconheceu, ao
gênero humano, o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao
gozo de condições de vida adequada, em ambiente que lhe permita
desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e de
bem-estar.
Extremamente valioso, sob o aspecto ora referido, o
douto magistério expendido por JOSÉ AFONSO DA SILVA (Direito
Ambiental Constitucional, p. 69/70, item n. 7, 4ª ed./2ª tir.,
2003, Malheiros):
A Declaração de Estocolmo abriu caminho para que
as Constituições supervenientes reconhecessem o meio
ambiente ecologicamente equilibrado como um direito
fundamental entre os direitos sociais do Homem, com
sua característica de direitos a serem realizados e
direitos a não serem perturbados.
...................................................
O que é importante (...) é que se tenha a
consciência de que o direito à vida, como matriz de
todos os demais direitos fundamentais do Homem, é que
há de orientar todas as formas de atuação no campo da
tutela do meio ambiente. Cumpre compreender que ele é
um fator preponderante, que há de estar acima de
quaisquer outras considerações como as de
desenvolvimento, como as de respeito ao direito de
propriedade, como as da iniciativa privada. Também
estes são garantidos no texto constitucional , mas, a
toda evidência, não podem primar sobre o direito
fundamental à vida, que está em jogo quando se discute
a tutela da qualidade do meio ambiente. É que a tutela
da qualidade do meio ambiente é instrumental no sentido
de que, através dela, o que se protege é um valor
maior: a qualidade da vida. (grifei)
Dentro desse contexto, Senhor Presidente, emerge, com
nitidez, a idéia de que o meio ambiente constitui patrimônio público
a ser necessariamente assegurado e protegido pelos organismos
sociais e pelas instituições estatais, qualificando-se como encargo
irrenunciável que se impõe - sempre em benefício das presentes e das
futuras gerações - tanto ao Poder Público quanto à coletividade em
si mesma considerada (MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, Polícia do
Meio Ambiente, in Revista Forense 317/179, 181; LUÍS ROBERTO
BARROSO, A proteção do meio ambiente na Constituição brasileira,
in Revista Forense 317/161, 167-168, v.g.).
Na realidade, Senhor Presidente, o direito à
integridade do meio ambiente constitui prerrogativa jurídica de
titularidade coletiva, refletindo, dentro do processo de afirmação
dos direitos humanos, a expressão significativa de um poder
deferido, não ao indivíduo identificado em sua singularidade, mas,
num sentido verdadeiramente mais abrangente, atribuído à própria
coletividade social.
O reconhecimento desse direito de titularidade
coletiva, tal como se qualifica o direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, constitui, portanto, uma realidade a que
não mais se mostram alheios ou insensíveis, como precedentemente
enfatizado, os ordenamentos positivos consagrados pelos sistemas
jurídicos nacionais e as formulações normativas proclamadas no plano
internacional, como enfatizado por autores eminentes (JOSÉ FRANCISCO
REZEK, Direito Internacional Público, p. 223/224, item n. 132,
1989, Saraiva; JOSÉ AFONSO DA SILVA, Direito Ambiental
Constitucional, p. 46/57 e 58/70, 4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros).
Dentro desse contexto, e com absoluta fidelidade aos
valores constitucionais suscetíveis de tutela estatal e de proteção
social, editou-se a Medida Provisória em questão, e de cuja prática,
ao longo destes últimos quatro (04) anos tal como atestam as
informações prestadas pelo Senhor Presidente da República
(fls. 48/132) e acentuam as diversas manifestações produzidas pelos
amici curiae (fls. 139/150, 153/176, 268/275, 280/285, 328/341,
205/262, 294/324 e 364/377) não resultou o alegado efeito lesivo e
predatório ao patrimônio ambiental, como temido pelo eminente Senhor
Procurador-Geral da República.
É por essa razão, salvo melhor juízo, e não obstante o
justo receio divisado pelo eminente Senhor Ministro-Presidente desta
Suprema Corte, cuja decisão reflete o alto espírito público que a
norteou, que entendo não deva subsistir, na espécie, a medida que
implicou a suspensão cautelar da eficácia do ato estatal impugnado,
especialmente se se considerarem os elementos referidos pelo ilustre
Consultor Jurídico do Ministério do Meio Ambiente, Dr. GUSTAVO
TRINDADE, em sua excelente análise do sentido, do alcance e da
finalidade das normas ora impugnadas:
Importante analisar, pontualmente, alguns dos
dispositivos do art. 4º do Código Florestal Federal que
restam suspensos, bem como avaliar os efeitos de tal
decisão cautelar.
a) Art. 4º - A supressão de vegetação em área de
preservação permanente somente poderá ser autorizada em
caso de utilidade pública ou de interesse social,
devidamente caracterizados e motivados em procedimento
administrativo próprio, quando inexistir alternativa
técnica e locacional ao empreendimento proposto.
- A suspensão do caput do art. 4º retira a garantia
de que a supressão de vegetação em área de preservação
permanente somente poderia ser permitida em caso de
utilidade pública ou de interesse social. (...).
- o caput do art. 4º prevê a possibilidade de
supressão de vegetação em área de preservação
permanente somente nos casos de utilidade pública e
interesse social e quando inexistir alternativa técnica
e locacional ao empreendimento proposto. A
possibilidade de permissão de supressão de vegetação em
área de preservação permanente, quando tal intervenção
for possível ou viável noutra área, fere diretamente o
regime jurídico em questão.
b) § 1º - A supressão de que trata o caput deste
artigo dependerá de autorização do órgão ambiental
estadual competente, com anuência prévia, quando
couber, do órgão federal ou municipal de meio
ambiente, ressalvado o disposto no § 2º deste
artigo.
- a decisão cautelar retirou a possibilidade de
órgão ambiental, no estrito cumprimento da legislação
ambiental, autorizar a supressão de vegetação em APP.
Ou seja, aos órgãos do Sistema Nacional de Meio
Ambiente - SISNAMA, com longa tradição e competência
técnica na avaliação de estudos de impactos ambientais,
não mais compete praticar atos administrativos que
envolvam autorização para a supressão de vegetação em
APP. Como efeito da decisão cautelar, cabe ao Poder
Legislativo autorizar a supressão de vegetação,
invertendo-se o sistema constitucional de competências,
atribuindo-se ao Legislativo o que é competência do
Poder Executivo.
c) § 3º - O órgão ambiental competente poderá
autorizar a supressão eventual e de baixo impacto
ambiental, assim definido em regulamento, da vegetação
em área de preservação permanente.
- a suspensão de tal dispositivo impede que o
órgão ambiental possa autorizar a supressão eventual
e de baixo impacto ambiental de vegetação em área de
preservação permanente. A implantação de um pontilhão
para a travessia de um curso dágua, a implantação de
instalações para captação e condução de água para
abastecimento doméstico, a construção de cerca de
divisas de propriedades, a realização de trilhas de
ecoturismo, a pesquisa científica, dentre outras
atividades usuais e de pequeno impacto ambiental,
estão vedadas de serem realizadas. Somente lei
específica poderá autorizar tais tipos de
intervenções.
d) § 4º - O órgão ambiental competente indicará,
previamente à emissão da autorização para a supressão
de vegetação em área de preservação permanente, as
medidas mitigadoras e compensatórias que deverão ser
adotadas pelo empreendedor.
- não há mais a exigência legal de que a supressão
de vegetação em área de preservação permanente seja
condicionada à realização de medidas mitigadoras e
compensatórias pelo empreendedor.
e) § 7º - É permitido o acesso de pessoas e
animais às áreas de preservação permanente, para
obtenção de água, desde que não exija a supressão e não
comprometa a regeneração e a manutenção a longo prazo
da vegetação nativa.
- (...) a decisão cautelar que suspendeu a eficácia
do art. 4º do Código Florestal impede o acesso de
pessoas e animais às áreas de preservação permanente,
para obtenção de água. O acesso de pessoas e animais às
áreas de preservação permanente, para obtenção de água,
por ilegal, submete seus infratores às penalidades da
Lei 9.605 , de 12.02.1998 , que dispõe sobre as sanções
penais e administrativas derivadas de condutas e
atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras
providências. (grifei)
Os motivos que me levam a assim compreender a questão,
ao menos em juízo de estrita delibação, prendem-se a essas razões e,
ainda, aos fundamentos que o Excelentíssimo Senhor Presidente da
República, com igual consistência, bem expôs em sua manifestação, na
qual sustentou a plena validade jurídico-constitucional da Medida
Provisória editada por seu antecessor (fls. 180/190):
Primeiramente, cumpre esclarecer que é equivocada
a interpretação conferida pelo requerente ao
dispositivo constitucional utilizado como parâmetro de
controle ( artigo 225, § 1º, inciso III ).
Isso, porque o que a Constituição da República
prevê como sendo de definição exclusivamente através de
lei é a alteração e supressão de espaços territoriais
especialmente protegidos. Em contrapartida, o texto
normativo impugnado autoriza, mediante procedimento
administrativo próprio, a supressão de vegetação em
área de preservação permanente. Vale transcrever os
dispositivos concernentes, litteris: Constituição da República:
Art. 225. (...)
§ 1º . Para assegurar a efetividade desse
direito, incumbe ao Poder Público:
(...) III - definir, em todas as unidades da
Federação, espaços territoriais e seus
componentes a serem especialmente protegidos,
sendo a alteração e a supressão permitidas
somente através de lei, vedada qualquer
utilização que comprometa a integridade dos
atributos que justifiquem sua proteção.
(Grifou-se);
Lei nº 4.771 , de 15.09.65 , com a redação dada
pela MP nº 2.166 -67, de 24.08.2001 :
Art. 4º . A supressão de vegetação em área
de preservação permanente somente poderá ser
autorizada em caso de utilidade pública ou de
interesse social, devidamente caracterizados e
motivados em procedimento administrativo
próprio, quando inexistir alternativa técnica e
locacional ao empreendimento proposto.
(Grifou-se).
Da leitura dos citados artigos, percebe-se que
a nova redação conferida ao Código Florestal não
interfere na exigência constitucional de que os
espaços territoriais especialmente protegidos sejam
alterados ou suprimidos somente através de lei,
pois o que se disciplinou foi a supressão da
vegetação em área de preservação permanente.
...............................................
No mesmo sentido, ensina ÉDIS MILARÉ:
Pensamos que a alteração e a supressão
sujeitas à lei são as do próprio regime
jurídico que rege o espaço protegido. Vale
dizer, depende de lei a alteração ou revogação
da legislação (...) que institui, delimita e
disciplina esse espaço protegido. Não depende
de lei o ato administrativo que, nos termos da
legislação que disciplina referido espaço, nele
autoriza, licencia ou permite obras ou
atividade (Grifou-se).
...............................................
Ressalte-se, por fim, que, mesmo PAULO AFFONSO
LEME MACHADO, que defende que a área de
preservação permanente é espécie do gênero espaço
territorial especialmente protegido, não vislumbra
inconstitucionalidade na norma impugnada na
presente ação direta, considerando que as
alterações ao Código Florestal , realizadas pela
MP nº 2.166 -67, de 2001 , embora insuficientes,
foram benéficas e trouxeram certo avanço ao Direito
Ambiental Brasileiro. Assim preleciona o mencionado
doutrinador:
O art. 4º do Código Florestal não usou a
terminologia Estudo Prévio de Impacto
Ambiental', mas utilizou procedimento
administrativo próprio', que deverá
compreender: a) as alternativas técnicas e
locacionais ( art. 4º, caput ) b) análise do
impacto ambiental ( art. 4º, § 2º ), para poder
classificar o grau de importância
desse impacto; e c) estudo de medidas
mitigadoras e compensatórias a serem adotadas
se houver a supressão da vegetação. Ao
requerente da eliminação da APP caberá provar a
não-existência de outras alternativas para o
projeto, pois, sem essa prova, o pedido
obrigatoriamente será indeferido (art. 4º,
caput).
Merece aplausos esta parte da legislação
florestal (...). (destacou-se).
Com base em tal afirmação, vale evidenciar que
a Medida Provisória nº 2.166 -67, de 2001 , trouxe
mudanças benéficas à disciplina da supressão de
vegetação em área de preservação permanente, pois,
no regime anterior, não se garantia que tal
supressão apenas fosse autorizada quando existisse
interesse social ou utilidade pública. Também não
era previsto que somente diante de inexistência de
alternativa técnica e locacional ao empreendimento
é que se permitiria a supressão. (...).
...............................................
Cumpre, então, ressaltar que o desígnio do
legislador constituinte não foi exigir lei
específica para cada hipótese de supressão de
vegetação em áreas de preservação permanente.
Exigiu-se, na verdade, uma lei autorizativa
genérica, disciplinando a forma pela qual tal
supressão pode ser feita sem prejuízos para o meio
ambiente. E tal lei - genérica e abstrata como
todas devem ser - já existe, pelo menos em relação
às APP's, consubstanciando-se justamente no Código Florestal.
Outro aspecto a ser considerado é que, ao
prevalecer a tese defendida pelo ilustre
Procurador-Geral da República, de que haveria
necessidade de lei em sentido formal para qualquer
caso de supressão de vegetação em espaço
territorial especialmente protegido, está-se
conferindo elevado grau de casuísmo à edição de
normas que, por sua natureza, devem prever
situações abstratas.
Com efeito, além de se impedir os órgãos
públicos ambientais de autorizar ou licenciar
qualquer tipo de intervenção em espaços protegidos,
ter-se-á a necessidade de lei específica para cada
caso de supressão de vegetação em tais áreas, desde
a implantação de um pequeno corredor de acesso de
pessoas para obtenção de água, por exemplo, até a
construção de portos, gasodutos, hidrelétricas,
dentre inúmeras outras atividades de suma
relevância para o desenvolvimento nacional. Da
mesma forma, com a concessão da medida cautelar,
para que se possa derrubar uma árvore em área
protegida, é necessário que se edite uma lei.
Para que se possa vislumbrar a inviabilidade
deste entendimento, vale transcrever trecho da
Informação nº 460 /2005/CONJUR/MMA (em anexo), in
verbis:
24. Da mesma forma, haverá necessidade de
lei específica, em sentido estrito, para que
possa ocorrer a supressão de uma árvore em área
de Reserva Legal. Cada autorização de corte
deve, no entendimento exposto pelo Procurador-
-Geral da República e acolhido, cautelarmente,
pelo Presidente do STF, ser objeto de aprovação
de uma lei em sentido formal. Importante
referir que a Reserva Legal abrange 80% da área
das propriedades rurais situadas na Amazônia
Legal, 35% da área das propriedades rurais
localizadas nas zonas de cerrado da Amazônia
Legal e 20% da área das propriedades rurais
localizadas nas demais regiões do país.
25. Destaca-se, também, que supressão de
qualquer vegetação em unidade de conservação
dependerá de autorização legislativa, caso a
caso. Vejamos o seguinte exemplo: a cidade de
Brasília e sua região de entorno estão
localizados no interior de uma Área de Proteção
Ambiental (APA do Planalto Central), uma
unidade de conservação de uso
sustentável, criada nos termos do art. 15 da
Lei nº 9.985 /00, que institui o Sistema
Nacional de Unidades de Conservação. Vingando o
entendimento exposto na peça inicial, toda e
qualquer intervenção nos recursos naturais,
como o simples corte de uma árvore exótica,
somente será possível após lei autorizativa
específica.
Diante desse panorama, resta clara a
improcedência da alegação no sentido de se exigir
lei específica para cada supressão de vegetação em
área especialmente protegida. Esvazia-se o Poder
Executivo, através dos órgãos competentes, de suas
atribuições, abarrotando-se o Poder Legislativo -
Federal, Estadual e Municipal - de projetos de leis
desnecessárias.
Observe-se, ainda, que aquele que pretender a
supressão de vegetação em área protegida terá de se
submeter à realização de lobbies junto ao
Congresso Nacional, à Assembléia Legislativa ou à
Câmara dos Vereadores, conforme o ente federativo
ao qual esteja sujeita a área que se pretende
desmatar. (...).
Outro aspecto de relevo é a alegação do
requerente de que a autorização, pelo gestor
ambiental local, de supressão de vegetação em área
de preservação permanente, por ser fundada
unicamente na discricionariedade (...) de dizer o
que é utilidade pública, poderia viabilizar a
extinção destes espaços por exclusivos interesses
econômicos, especialmente minerários. Ora, é
evidente que a discricionariedade de que se
revestem os atos administrativos não permite que se
possa realizá-los em desconformidade com as
restrições legais e constitucionais. Assim, para
que o gestor ambiental confira a autorização para a
supressão de vegetação em APP, ele deverá observar
também a legalidade, a moralidade e todos os demais
princípios que regem o Direito Administrativo.
Diante de todo o exposto, conclui-se que não se
faz presente o requisito do fumus boni iuris para
a concessão da medida cautelar. ( grifei )
Sem prejuízo do reconhecimento da procedência de todos
esses elementos expostos pelo Senhor Presidente da República, em
defesa da plena validade constitucional do diploma normativo ora
questionado, não constitui demasia destacar, na linha desse mesmo
entendimento, a precisa observação expendida por ÉDIS MILARÉ
(Direito do Ambiente, p. 220/222, item n. 8.4, 2000, RT), em
magistério no qual ressalta, tendo presente o que dispõe o art. 225, § 1º, III, da Constituição , que não depende de lei o ato da Pública
Administração que autoriza, licencia ou permite a execução de obras
ou de atividades nos espaços territoriais especialmente protegidos.
Eis, no ponto, Senhor Presidente, a lição desse
eminente autor:
Os espaços territoriais especialmente protegidos
a que alude a Constituição figuram hoje no rol dos
Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente
(...). Vale dizer, o espaço territorial especialmente
protegido é um dos instrumentos jurídicos para a
implementação do direito constitucional ao ambiente
hígido e equilibrado, em particular no que se refere à
estrutura e funções dos ecossistemas.
Na prática, confundem-se eles com as conhecidas
unidades de conservação, ou seja, aquelas áreas de
interesse ecológico que, por características naturais
relevantes, recebem tratamento legal próprio, de molde
a reduzir a possibilidade de intervenções danosas ao
meio ambiente.
...................................................
Os espaços territoriais especialmente protegidos
têm sido criados ora por lei, ora por decreto,
definindo-se seus limites e estabelecendo-se a
disciplina do uso, conservação ou preservação de seu
território e dos recursos nele existentes.
É nesse contexto que se deve entender a Constituição .
O Poder Público deve definir espaços territoriais a
serem protegidos. Pode fazê-lo por lei ou por decreto.
Porém, a alteração ou supressão desses espaços só pode
ser feita por lei, mesmo se criados, delimitados e
disciplinados por decreto.
Questão que tem suscitado controvérsia diz com a
necessidade de lei para executar qualquer obra ou
serviço nesses espaços territoriais, mesmo quando
admissíveis nos termos da lei ou do decreto que
instituiu e disciplinou qualquer desses territórios
protegidos.
Pensamos que a alteração e a supressão sujeitas à
lei são as do próprio regime jurídico que rege o espaço
protegido. Vale dizer, depende de lei a alteração ou
revogação da legislação - portanto também do decreto -
que institui, delimita e disciplina esse espaço
protegido. Não depende de lei o ato administrativo que,
nos termos da legislação que disciplina esse espaço,
nele autoriza, licencia ou permite obras ou atividades.
Com efeito, os Poderes Legislativo, Executivo e
Judiciário são independentes e harmônicos entre si
(art. 2.º da Constituição). Ao Poder Legislativo cabe
fazer as leis (normas impessoais e gerais) que
disciplinam determinada matéria, no caso o espaço
territorial protegido. Ao Poder Executivo cabe executar
as leis e praticar os atos administrativos (atos
específicos e determinados) que, à luz da lei, decidem
as pretensões dos administrados.
Entender que ato administrativo, no caso, depende de
lei é subverter o sistema constitucional das competências
dos três poderes, atribuindo ao Legislativo o que é de
competência do Executivo. Para que isso fosse possível
seria necessária expressa previsão constitucional, como é
o caso do § 6.º do art. 225 da Constituição , que sujeita
à lei a localização de usinas nucleares.
À míngua dessa exceção, conclui-se, portanto: não
depende de lei o simples ato administrativo que,
vinculado à norma legal que disciplina determinado
espaço territorial protegido, decide sobre obras ou
atividades a serem nele executadas. (grifei)
Esse entendimento é também exposto por JOSÉ AFONSO DA
SILVA (Direito Ambiental Constitucional, p. 174/176, item n. 6,
4ª ed./2ª tir., 2003, Malheiros), cujo magistério vale reproduzir,
in extenso:
O art. 4º, com redação da Medida
Provisória 2.166-67, de 2001 , estatui que a
supressão de vegetação em área de preservação
permanente somente poderá ser autorizada em caso de
utilidade pública ou interesse social, devidamente
caracterizados e motivados em procedimento
administrativo próprio, quando inexistir alternativa
técnica e locacional ao empreendimento proposto. A
autorização há de ser dada pelo órgão ambiental
estadual competente, com anuência prévia, quando
couber, do órgão federal ou municipal de meio
ambiente; mas se a área estiver situada em área
urbana, a autorização do órgão ambiental competente
só poderá ocorrer se o Município possuir Conselho de
Meio Ambiente com caráter deliberativo e Plano
Diretor, e ainda dependerá de anuência prévia do
órgão ambiental estadual competente e deverá ser
fundamentada em parecer técnico. Em qualquer caso, o
órgão ambiental competente, antes de emitir a
autorização, terá que indicar as medidas mitigadoras
e compensatórias que deverão ser adotadas pelo
empreendedor. Aqui (...) expressamente está admitida
a supressão de vegetação em área de preservação
permanente por força da lei; é o que se autoriza no
§ 5º do art. 4º , com cautela e rígida limitação, em
relação à vegetação nativa protetora de nascente ou
de dunas e mangues, apenas em caso de utilidade
pública.
Veja-se que aqui não se admite a supressão de áreas
de preservação permanente em si, mas apenas a
supressão de vegetação. A diferença de redação em
relação ao art. 3º, § 1º (supressão total ou parcial),
orienta a compreensão do art. 4º , que não autoriza o
corte raso. Além de todas as cautelas e limitações
formais indicadas acima com base nos parágrafos do
art. 4º, a supressão de vegetação só será admissível no
caso de utilidade pública e interesse social. Para tal
efeito, a própria lei define esses institutos. Têm-se
como utilidade pública (a) as atividades de segurança
nacional e proteção sanitária, (b) as obras essenciais
de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de
transporte, saneamento e energia e (c) demais obras,
planos, atividades ou projetos previstos em resolução
do Conselho Nacional do Meio Ambiente - CONAMA
(art. 1º, § 2º, IV ); e como interesse social (a) as
atividades imprescindíveis à proteção da integridade da
vegetação nativa, tais como prevenção, combate e
controle do fogo, controle da erosão, erradicação de
invasores e proteção de plantios com espécies nativas,
conforme resolução do CONAMA, (b) as atividades de
manejo agroflorestal sustentável praticadas na pequena
propriedade ou posse rural familiar que não
descaracterizem a cobertura vegetal e não prejudiquem a
função ambiental da área e (c) demais obras, planos,
atividades ou projetos definidos em resolução do
CONAMA.
Vê-se que a utilidade pública inclui obras,
atividades e serviços públicos ainda quando o
empreendimento seja realizado por particulares, tais
como concessionários de serviços públicos. Daí a razão
do disposto no § 6º do art. 4º quando declara que na
implantação de reservatório artificial é obrigatória a
desapropriação ou aquisição, pelo empreendedor, das
áreas de preservação permanente criadas no seu entorno,
cujos parâmetros e regime de uso serão definidos por
resolução do CONAMA. Já no caso de interesse social,
a supressão de vegetação em área de preservação
permanente só é admitida no interesse da proteção da
própria área. Tanto no caso da utilidade pública como
no de interesse social se dá uma faculdade ao CONAMA
para, mediante resolução, definir demais obras, planos,
atividades ou projetos que possam gerar a possibilidade
de supressão da vegetação na área de preservação
permanente. É preciso que se esclareça que a faculdade
que assim se confere ao CONAMA não é um cheque em
branco que o autorize a aplicar os ditames legais: tais
obras, planos, atividades e projetos hão que se
enquadrar na mesma natureza dos que foram enumerados,
respectivamente, como de utilidade pública e de
interesse social. Ve-se, portanto, que somente a alteração e a supressão
do regime jurídico pertinente aos espaços territoriais especialmente
protegidos, tanto quanto a própria alteração e supressão desses
mesmos espaços territoriais, é que se qualificam, por efeito da
cláusula inscrita no art. 225 , § 1º , III , da Constituição , como
matérias sujeitas ao princípio da reserva de lei formal.
Quando se tratar, porém, de execução de obras ou de
serviços a serem realizados em tais espaços territoriais, cumpre
reconhecer que, observadas as restrições, limitações e exigências
abstratamente estabelecidas em lei, tornar-se-á lícito ao Estado
qualquer que seja o nível em que se posicione na estrutura
federativa (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios)
autorizar, licenciar ou permitir a realização de tais atividades no
âmbito do espaço territorial submetido a regime jurídico de proteção
especial.
Todas essas razões, associadas aos pronunciamentos
emanados das entidades intervenientes, convencem-me, ao menos em
juízo de estrita delibação, de que a pretensão de
inconstitucionalidade deduzida pelo eminente Senhor Procurador-Geral
da República não se reveste da necessária plausibilidade jurídica.
Cabe referir, também, por necessário, que não me parece
devidamente caracterizada a situação configuradora de periculum in
mora.
Tenho para mim, sob tal perspectiva, que a
descaracterização desse pressuposto essencial à concessão do
provimento cautelar deriva de uma relevante circunstância de ordem
temporal, eis que o diploma normativo em questão, embora reeditado
em 24/08/2001 (há mais de quatro anos, portanto fls. 16), só veio
a ser impugnado, nesta sede de fiscalização abstrata, em 18/07/2005
(fls. 02).
Vale registrar, neste ponto, não obstante a presente
impugnação tenha por objeto a MP nº 2.166 -67/2001 , que as alterações
introduzidas no art. 4º do Código Florestal resultaram de diploma
normativo anterior consubstanciado na MP nº 1.956 -50 , de 26/05/2000.
A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ao
pronunciar-se sobre esse específico aspecto concernente à questão do
periculum in mora , já advertiu que O tardio ajuizamento da ação
direta de inconstitucionalidade, quando já decorrido lapso temporal
considerável desde a edição do ato normativo impugnado,
desautoriza - não obstante o relevo jurídico da tese deduzida - o
reconhecimento da situação configuradora do periculum in mora, o
que inviabiliza a concessão da medida cautelar postulada
(RTJ 152/692-693, Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Há, ainda, um outro aspecto que assume relevo na
espécie ora em exame, considerada a preocupação revelada pelo
eminente Senhor Ministro-Presidente desta Suprema Corte, quando, em
sua decisão, assinalou que a extração de minério causa danos
irreparáveis e irreversíveis ao meio ambiente, eis que a área em que
a atividade for desenvolvida não voltará ao seu estado anterior,
presente por este motivo o periculum in mora (fls. 26).
Refiro-me ao fato de que, tal como bem observou o
Senhor Presidente da República, a própria Constituição Federal , ao
autorizar a interferência humana no meio ambiente, com propósitos
empresariais voltados à exploração econômica de recursos minerais,
impôs medida destinada a permitir a restauração das áreas afetadas
por tal atividade, prescrevendo, em seu art. 225, § 2º , que Aquele
que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio
ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão
público competente, na forma da lei.
É por tal motivo que o Chefe do Poder Executivo da
União fez consignar, nestes autos, a seguinte observação (fls. 191):
(...) é evidente que as resoluções que autorizem a exploração de
recursos minerais observarão este ditame constitucional, não
existindo, portanto, o risco apontado na inicial e na decisão
concessiva de medida cautelar.
Cumpre também destacar, neste ponto, as conseqüências,
que, derivadas da decisão ora em exame, já começam a se verificar,
gerando, na espécie, verdadeiro periculum in mora em sentido
inverso, cuja ocorrência recomenda a pronta restauração da eficácia
da Medida Provisória em causa.
Esse particular aspecto da questão assume especial
gravidade, quando se tem presente a ponderação feita pelo Senhor
Presidente da República, fundada, não em um receio puramente
abstrato, mas apoiada em fatos efetivamente ocorrentes
(fls. 191/193):
Na verdade, há a ocorrência de periculum in mora
inverso, pois o deferimento da liminar, ao impor que
qualquer supressão de vegetação se dê apenas mediante
lei em sentido estrito, além de gerar interferência
indevida do Poder Legislativo em seara que sempre
pertenceu ao Poder Executivo, atingindo o princípio
federativo, implicará na paralisação de atividades
econômicas, obras de saneamento básico e outros
serviços. (...).
...................................................
Todavia, esta situação já está se verificando. A
Secretaria de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis
Renováveis do Ministério de Minas e Energia, através do
MEMO nº 165/05/SPG, em anexo, lista os processos de
emissão de licença ambiental para a construção de
gasodutos que estão suspensos em virtude da concessão
da medida liminar: são investimentos que variam de
US$ 172 milhões (cento e setenta e dois milhões de
dólares) a US$ 1.300 milhões (um bilhão e trezentos
milhões de dólares). Ressalte-se que a paralisação
desses empreendimentos poderá comprometer o
abastecimento de energia elétrica da Região Nordeste em
2007, uma vez que as usinas termelétricas representam
cerca de 30% (trinta por cento) da energia elétrica ali
consumida. Com relação à Região Norte, a implantação do
gasoduto Urucu-Porto Velho permitirá a utilização de
gás natural em substituição ao óleo diesel e ao óleo
combustível no abastecimento das usinas termelétricas
do Estado de Rondônia, o que reduzirá custos e trará
benefícios ao meio ambiente, através da menor emissão
de gases poluentes.
Esses são apenas alguns exemplos dos impactos da
medida deferida na presente ação direta. São inúmeros
os empreendimentos de pequeno, médio e grande porte que
foram interrompidos à espera do devido equacionamento
dessa questão, que, mantida nos termos atuais, gerará
prejuízos incalculáveis ao país. ( grifei)
Cabe assinalar, Senhor Presidente, que igual
preocupação foi também externada tanto pelos Estados-membros da
Federação que ingressaram, como amici curiae, na presente relação
processual, quanto pelas demais entidades intervenientes,
consideradas as razões que produziram nestes autos e que renovaram,
nesta sessão plenária, em suas sustentações orais.
Concluo o meu voto: atento à circunstância de que
existe um permanente estado de tensão entre o imperativo de
desenvolvimento nacional ( CF , art. 3º , II), de um lado, e a
necessidade de preservação da integridade do meio ambiente ( CF ,
art. 225 ), de outro, torna-se essencial reconhecer que a superação
desse antagonismo, que opõe valores constitucionais relevantes,
dependerá da ponderação concreta, em cada caso ocorrente, dos
interesses e direitos postos em situação de conflito, em ordem a
harmonizá-los e a impedir que se aniquilem reciprocamente.
Isso significa, portanto, Senhor Presidente, que a
superação dos antagonismos existentes entre princípios e valores
constitucionais há de resultar da utilização de critérios que
permitam, ao Poder Público (e, portanto, aos magistrados e
Tribunais), ponderar e avaliar, hic et nunc, em função de
determinado contexto e sob uma perspectiva axiológica concreta, qual
deva ser o direito a preponderar no caso, considerada a situação de
conflito ocorrente, desde que, no entanto - tal como adverte o
magistério da doutrina na análise da delicadíssima questão
pertinente ao tema da colisão de direitos (DANIEL SARMENTO, A
Ponderação de Interesses na Constituição Federal p. 193/203,
Conclusão, itens ns. 1 e 2, 2000, Lumen Juris; LUÍS ROBERTO
BARROSO, Temas de Direito Constitucional, p. 363/366, 2001,
Renovar; JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, p. 220/224, item n. 2, 1987,
Almedina; J. J. GOMES CANOTILHO, Direito Constitucional, p. 661,
item n. 3, 5ª ed., 1991, Almedina; EDILSOM PEREIRA DE FARIAS,
Colisão de Direitos, p. 94/101, item n. 8.3, 1996, Fabris Editor;
WILSON ANTÔNIO STEINMETZ, Colisão de Direitos Fundamentais e
Princípio da Proporcionalidade, p. 139/172, 2001, Livraria do
Advogado Editora; SUZANA DE TOLEDO BARROS, O Princípio da
Proporcionalidade e o Controle de Constitucionalidade das Leis
Restritivas de Direitos Fundamentais, p. 216, Conclusão, 2ª ed.,
2000, Brasília Jurídica, v.g.) - a utilização do método da
ponderação de bens e interesses não importe em esvaziamento do
conteúdo essencial dos direitos fundamentais, dentre os quais
avulta, por sua significativa importância, o direito à preservação
do meio ambiente.
Essa asserção torna certo, portanto, que a incolumidade
do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses
empresariais nem ficar subordinada a motivações de índole meramente
econômica.
Daí os instrumentos jurídicos de caráter legal e de
natureza constitucional que, previstos no ordenamento positivo,
objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não
se lhe alterem as propriedades físicas, químicas e biológicas, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança e bem-estar
da população, além de afetar, com sérias conseqüências, a qualidade
dos recursos ambientais e de causar graves danos ecológicos ao meio
ambiente.
Como precedentemente assinalado neste voto, o diploma
normativo em causa, longe de comprometer os valores constitucionais
consagrados no art. 225 da Lei Fundamental , estabeleceu mecanismos
que permitem um real controle, pelo Estado, das atividades
desenvolvidas no âmbito das áreas de preservação permanente, em
ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao patrimônio ambiental,
cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção mais
intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto constitucional, pela MP nº 2.166 -67/2001 , no ponto em que introduziu
significativas alterações no art. 4º do Código Florestal .
Sendo assim, e tendo em consideração as razões
expostas, peço vênia para propor, a este Egrégio Plenário, não seja
referendada a r. decisão que deferiu o pedido de medida cautelar,
restaurando-se, desse modo, em plenitude, a eficácia e a
aplicabilidade do diploma legislativo ora impugnado nesta sede de
fiscalização abstrata.
É o meu voto.
ADI 3.540-MC / DF"
Leia notícia sobre esse julgamento no link abaixo:
http://www.expressodanoticia.com.br/index.php?pagid=_:,jvml&id=13&tipo=>*H|w&esq=_:,jvml&id_mat=2684
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