Administradores das S.As.: deveres e responsabilidades
As discussões levantadas pelo novo Código Civil , principalmente no que tangem às sociedades limitadas, os seus administradores e a conseqüente sujeição destes à teoria ultra vires (1), vêm ofuscando um tema não menos importante, qual seja, o relativo aos deveres e responsabilidades dos administradores das sociedades por ações, regulados pelos artigos 145 a 160 da Lei 6.404 /76 , mais conhecida como Lei das S.A. s (LSA).
Para se ter uma idéia da relevância do assunto, convém recordar, a título de exemplificação, os diversos escândalos que avassalaram o mundo corporativo nos últimos anos. Todos foram decorrentes de fraudes intentadas por administradores mal-intencionados. Daí a importância de se aprimorar o ordenamento jurídico que regula os deveres e responsabilidades dos administradores, a fim de suprimir os impactos negativos causados por tais escândalos corporativos.
De acordo com a LSA, os administradores (2) possuem três deveres primordiais para com a companhia. O primeiro, denominado dever de diligência, como não poderia deixar de ser, pauta-se na obrigação do administrador de gerir o negócio com a competência e o cuidado que seriam usualmente empregados por todo homem digno e de boa-fé na condução de seus próprios negócios ( LSA, art. 153 ). Deve ainda o administrador lembrar-se que atua para o bem da companhia, no atendimento dos seus interesses, nem que para isso tenha que divergir dos objetivos traçados pelos acionistas majoritários ( art. 154).
O dever de lealdade proclama que é defeso ao administrador utilizar em proveito próprio ou de terceiro , informações referentes aos planos e interesses da companhia, sobre os quais só teve acesso em razão do cargo que ocupa (art. 155). Neste mesmo sentido, deve o administrador abster-se de intervir em qualquer operação social em que tiver interesse pessoal e conflitante com o da sociedade que administre (art. 156). Ressalte-se aqui, que a inobservância do dever de lealdade pode, até mesmo, caracterizar crime de concorrência desleal.
Por último, o dever de informar está relacionado à necessária transparência dos negócios da sociedade anônima, devendo o administrador, sempre de forma imediata, informar o mercado sobre qualquer deliberação do órgão gestor que possa influir significativamente o comportamento dos investidores, especialmente na comercialização das ações emitidas pela sociedade ( art. 157, § 4º ). Cumpre ainda ao administrador informar sobre eventuais interesses que possua nos negócios sociais da companhia ( art. 157, caput e § 1º).
O não cumprimento dos deveres acima pode imputar ao administrador responsabilidades no campo administrativo, civil e até criminal. A má-gestão, seja pela incompetência, falta de dedicação ou até mesmo por não concordância com os demais diretores pode gerar, em regra, implicações de cunho meramente administrativo, que vão desde o rebaixamento do administrador para um cargo inferior até a sua destituição, sendo que para que isso ocorra, não se faz necessário qualquer processo formal, haja vista ser inerente à sociedade o direito de escolha de seus gestores.
No entanto, muitas vezes, a má-gestão não é ocasionada pela simples falta de qualificação do administrador, adentrando em seara de maior impacto. São os casos onde se percebe a prática de ato ilícito por parte do administrador, praticados com culpa ou dolo (art. 158, inc. I) ou violação de lei ou estatuto ( art. 158, inc. II ). Em tais casos, a sociedade teria o direito de pleitear uma indenização do administrador que serviria para recompor o prejuízo causado por ele à companhia. Ter-se-ia, então, a imprescindibilidade de todo um processo de conhecimento, no qual seriam apurados os limites do ato ilícito praticado, bem como o montante da indenização. Interessante ressaltar que a companhia não é obrigada a acionar judicialmente o administrador; no entanto, caso decida fazê-lo, deverá destituí-lo imediatamente. Ainda, no sentido de evitar conchavos internos que beneficiem administradores inescrupulosos, a LSA assegura aos acionistas o direito de ajuizar o feito, caso a companhia não o faça no prazo de três meses ou decida por não promover a ação de responsabilidade ( art. 159, §§ 3º e 4º).
Em alguns casos, a conduta irregular adotada pelo administrador pode caracterizar ilícito penal. Como exemplo de crimes costumeiramente praticados por administradores, temos os tipos definidos no art. 177 do Código Penal , relativos ao estelionato e outras fraudes contra o patrimônio. Tem-se também condutas que podem ser consideradas crimes contra o Sistema Financeiro Nacional , nos termos da Lei nº 7.492 , (ii) a ordem tributária, econômica e das relações de consumo, conforme a Lei nº 8.137 /90 e, ainda, (iii) o mercado de capitais, de acordo com o que estabelece a Lei nº 6.385 /76, alterada pela Lei nº 10.303 /01 .
Como visto, o ordenamento jurídico brasileiro disciplina os deveres e responsabilidades dos administradores das sociedades por ações de forma adequada. Resta aos membros da comunidade empresarial valer-se deste aparato legal para coibir, de maneira contumaz, as práticas irregulares de gestão das companhias, possibilitando desta forma a construção de um mercado mais estável e transparente.
Notas:
1. Teoria concebida no direito inglês e agora abraçada pelo novo Código Civil em seu art. 1015, inc. II, a qual responsabiliza o administrador por atos praticados em nome da sociedade quando incompatíveis com seu objeto social, isentando, neste sentido, a pessoa jurídica de qualquer prejuízo que tal ato venha a causar a terceiros.
2. Oportuno ressaltar que tais responsabilidades se estendem aos diretores e membros do Conselho de Administração das sociedades por ações.
* Juliana Martines é advogada, LL.M. em direito societário pela Universidade da Califórnia (UCLA), e atuante no departamento consultivo do escritório Leite, Tosto e Barros Advogados Associados.
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