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19 de Abril de 2024
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    Uma aberração jurídica

    Publicado por Expresso da Notícia
    há 18 anos

    José Dirceu*

    "Em um Regime em que a separação dos Poderes da República está expressa na Constituição , decretou-se que os atos de um ministro de Estado podem ser julgados no fórum do Legislativo. Está composto o samba do processo doido."

    Qualquer jurista que analise com distanciamento e isenção o processo que resultou na cassação do meu mandato parlamentar concluirá que fui vítima de uma aberração jurídica. O denunciante retirou a denúncia. O depoimento da única testemunha de acusação foi suprimido dos autos por determinação do Supremo Tribunal Federal. O crime não está tipificado. O dolo não foi caracterizado. Não existem provas materiais. Não houve confissão.

    O julgamento foi realizado fora do prazo fixado pelo Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados. Tanto a defesa, quanto o júri não tiveram acesso ao relatório de acusação com a antecedência prévia determinada pelo Regimento Interno da Câmara. Além disso, em um Regime em que a separação dos Poderes da República está expressa na Constituição , decretou-se que os atos de um ministro de Estado podem ser julgados no fórum do Legislativo. Está composto o samba do processo doido.

    Não resta dúvida que houve uma arbitrariedade em nome de um suposto decoro do Parlamento, um conceito subjetivo que permite enquadrar no rol de condenações qualquer deslize parlamentar. Qualquer maioria eventual, de agora em diante, estará liberada para afastar do Parlamento os desafetos, os líderes inconvenientes, os organizadores da reação das minorias, os apontados por acusações injustas, os espancados por campanhas difamatórias da mídia, os atingidos por retaliações de desafetos.

    A Constituição Federal relaciona mais de 80 princípios que asseguram os direitos e garantias individuais dos cidadãos brasileiros. Considero que o processo ao qual fui submetido nos últimos seis meses violou vários dispositivos constitucionais do artigo 5º: II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

    V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

    X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; XII - e inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção; XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

    LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

    LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

    LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

    LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;

    LXXVIII - a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação.

    Quem analisar com atenção meu processo verá que não tive amplo direito de defesa, que o contraditório foi ignorado, que tentaram obter provas por meios ilícitos, que fui considerado culpado antes de concluído o processo, que prazos foram violados, que tive direitos de resposta negados, que violaram minha intimidade e minha honra de forma vil e irresponsável, que tentaram impedir que eu recorresse aos órgãos competentes para assegurar meus direitos. Enfim, quem analisar com isenção e justiça esse processo grotesco verá que foi criado um tribunal de exceção para me condenar, o que é inconstitucional.

    Estava condenado antes do início do processo. O relatório parcial das CPMIs dos Correios e da Compra de Votos já embutia o prejulgamento. Antes de ouvir o contraditório, desconsiderando a parte dos depoimentos que me favorecia, os integrantes das Comissões recomendaram a abertura de processo disciplinar contra mim e outros parlamentares. O indiciamento precoce tinha por lastro a suposição de que eu não poderia desconhecer o tal esquema clandestino de financiamento de campanhas e tinha poder suficiente para impedi-lo. Não há lei que obrigue alguém saber tudo que acontece à sua volta. Se não há lei, não há crime. Se não há crime, não há pena e não pode haver condenação.

    Suposições não são provas. Mas elas foram as únicas suspeitas que resistiram às investigações. Não houve um testemunho que me incriminasse. Não houve um documento, uma gravação, nada que comprovasse culpa. Escorado unicamente na tentativa de um réu confesso embaraçar na sua teia quem considerava seu algoz, o Conselho de Ética da Câmara aprovou um relatório impregnado de falsas constatações e premissas, com depoimentos editados e distorcidos para demonstrar relações inexistentes.

    Para justificar a violência de banir um parlamentar da vida pública, criaram um código penal particular. Meus acusadores defenderam perante a opinião pública que um julgamento político dispensa provas para condenar. Tal absurdo foi ratificado pelos formadores de opinião. Poucos foram os juristas que condenaram essa arbitrariedade. É com essas sementes que fazem germinar os regimes de exceção.

    O povo diz, sem muita convicção, que a justiça tarda, mas não falha. Espero que as mentes sensatas deste país não permitam que a erva daninha do arbítrio cresça nas terras férteis do oportunismo político instalado nestes novos tempos de degola.

    *José Dirceu é advogado, ex-deputado federal e ex-ministro-chefe da Casa Civil.

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    Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/uma-aberracao-juridica/138398

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