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25 de Abril de 2024
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    Com falecimento de mutuário, seguro habitacional vai para dependentes

    Publicado por Expresso da Notícia
    há 17 anos

    Em caso de troca de imóveis financiados em que cada parte assume o pagamento das prestações da outra, a morte de uns dos mutuários deve favorecer os herdeiros. A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a família de Paulo José Oliveira a pagar aos dependentes do mutuário Eustáquio Pessoa, quantia equivalente ao débito quitado pela seguradora.

    Wânia de Souza Pessoa e o esposo, Eustáquio Francisco Pessoa, realizaram permuta de imóvel com Paulo José de Oliveira. Cada família ficou obrigada a pagar as prestações iniciadas pela outra. Como o imóvel da família Pessoa era mais caro, a família Oliveira pagou a diferença em dinheiro. Cerca de um ano depois da troca, Eustáquio faleceu, ocasionando a quitação do financiamento da casa trocada com a família Oliveira.

    Com base nisso, a família da viúva Wânia propôs ação pedindo que fosse modificado o contrato e fosse declarada a responsabilidade da família de Paulo pelo pagamento do financiamento do imóvel trocado. A sentença julgou parcialmente procedente o pedido para condenar a família Oliveira a quitar o financiamento, mediante o pagamento das parcelas restantes.

    Inconformadas, as duas famílias interpuseram embargos de declaração e parte da sentença foi reformulada. A família de Paulo apelou ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) e o pedido foi julgado improcedente. “Estando encerrado o inventário, os herdeiros têm legitimidade para propor ação de anulação de ato que lhes cause prejuízo.”

    No STJ, a família de Wânia alega que apenas uma das partes arcou com o ônus em beneficio da outra e que rompeu-se o equilíbrio contratual e a boa-fé que norteou a formação de contrato. Afirma, ainda, que houve o enriquecimento sem causa da família de Paulo, por causa do falecimento do marido e pai.

    A ministra Nancy Andrighi, relatora do processo, destacou a função social do seguro de vida obrigatório e ressaltou que, na maioria das vezes, o mutuário é o principal responsável pelo pagamento das prestações do financiamento, “o seguro de vida se mostra fundamental para, na falta daquele, certificar o cumprimento do contrato e assegurar aos familiares do falecido a propriedade sobre o imóvel”. Acrescentou, ainda, que a vontade das famílias foi de manter a igualdade de condições. Entretanto deixaram de prever no contrato a morte de um dos mutuários e como isso repercutiria na manutenção do equilíbrio contratual.

    Dessa forma, a ministra condenou a família de Paulo a descontar as prestações pagas por eles e repassar o valor do débito quitado pela seguradora, relativo ao imóvel da Rua Antônio Isidoro Moreira, acrescidos de correção monetária e juros de mora.

    Processo nº REsp 811.670/MG

    Entenda o caso

    REsp 811.670/MG – No caso de morte de mutuário que efetuou a permuta de imóvel o seguro deve vir em benefício de seus próprios dependentes na proporção do que for pago pela seguradora.

    Em sessão de julgamento realizada em 16/11/2006, a Terceira Turma decidiu, nos termos do voto da Ministra Nancy Andrighi, que o seguro habitacional decorrente do falecimento do mutuário (mutuário, na hipótese, é aquele que tomou empréstimo para aquisição de imóvel) deve vir em benefício de seus próprios dependentes, na proporção do que foi pago pela seguradora, mesmo na hipótese de permuta do imóvel (contrato de gaveta).

    No processo julgado, as partes trocaram os imóveis que haviam financiado, assumindo cada um a dívida do imóvel que passariam a ocupar. Como ao imóvel dos recorrentes foi atribuído maior valor, os recorridos ainda lhes pagaram certa quantia em dinheiro.

    Pouco mais de um ano após a permuta, em razão do falecimento do marido e pai dos recorrentes, houve a quitação do financiamento do imóvel que coube aos recorridos, por incidência do respectivo seguro habitacional.

    Por entender que o falecimento do marido e pai deveria beneficiar aos familiares e não aos recorridos, os recorrentes pediram na Justiça a modificação do contrato, para que fosse declarada a responsabilidade dos recorridos pelo pagamento do financiamento do imóvel dado em permuta aos recorrentes, a partir do momento da quitação do outro imóvel.

    O juiz acolheu em parte o pedido para condenar os recorridos a restituir aos recorrentes a quantia que pagaram pelo financiamento do imóvel quitado por ocasião do pagamento do seguro habitacional, estabelecendo que o valor a ser restituído deveria corresponder ao efetivamente pago pelos recorrentes e não ao que a seguradora despendeu para a quitação do financiamento do imóvel.

    O Tribunal Estadual, contudo, reformou a sentença, para negar o pedido dos recorrentes, em razão de ter sido o contrato firmado de boa-fé, primando pelo equilíbrio contratual.

    Os familiares do falecido manifestaram então recurso especial ao STJ, alegando exatamente a quebra do equilíbrio do contrato porque apenas os recorridos se beneficiaram da quitação do financiamento. Buscaram os recorrentes, dessa forma, o direito de se beneficiarem do seguro de vida deixado pelo marido e pai.

    A Ministra Nancy Andrighi acolheu o pedido formulado pelos recorrentes explicitando que são necessariamente os familiares os beneficiados pela indenização securitária paga em decorrência do falecimento de mutuário e utilizada para quitação do próprio imóvel financiado, mesmo na hipótese do bem ter sido permutado com outro imóvel.

    Destacou, a Ministra, que no caso específico do seguro de vida, o objeto é o risco da morte involuntária, trazendo ao proponente o conforto de saber que, na sua ausência, os beneficiários por ele indicados terão assegurado o recebimento de uma certa soma que, se não aliviará o sofrimento pela perda de um ente querido, ao menos não os deixará de todo desamparados.

    Além disso, há dupla finalidade no seguro habitacional: (i) garantir para o banco o pagamento do financiamento, pois há claro risco de inadimplemento dos dependentes do mutuário falecido, geralmente o principal - quando não o único - responsável pelo pagamento das prestações do contrato; (ii) garantir para os dependentes do falecido a aquisição do imóvel. Desse modo, o seguro de vida obrigatório visa a garantir que os contratos de financiamento habitacional cumpram integralmente sua função social.

    Ressaltou ainda, a Ministra, que, além de perderem o marido e pai, os recorrentes continuaram obrigados a pagar o financiamento do imóvel que lhes coube na permuta, enquanto que os recorridos foram beneficiados pela quitação do imóvel.

    Deixar que os recorridos se beneficiassem de seguro decorrente do falecimento do marido e pai dos recorrentes, desvirtuaria a boa-fé e a vontade originalmente manifestada pelas partes, desequilibrando o contrato e abrindo caminho para o enriquecimento sem causa dos recorridos, entendeu a Ministra Nancy Andrighi.

    Ainda com base na eqüidade do contrato, considerou a Ministra que o imóvel recebido pelos recorridos é de maior valor, tanto que pagaram ao falecido, à época, R$ 23.850,00, destacando que os próprios recorrentes salientaram que optaram pela permuta também para que passassem a pagar prestações menores.

    Concluiu, dessa forma, que devem ser os recorridos condenados a repassar aos recorrentes quantia equivalente ao débito quitado pela seguradora em decorrência do falecimento do mutuário, descontados os valores eventualmente já levantados pela sua mulher, conforme noticiado no processo.

    Todos os Ministros presentes na sessão de julgamento acompanharam o voto da Ministra Nancy Andrighi.

    Leia, abaixo, a íntegra da decisão:

    "RECURSO ESPECIAL Nº 811.670 - MG (2006⁄0013678-2)

    RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    RECORRENTE : WÂNIA DE SOUZA PESSOA E OUTROS

    ADVOGADO : ANA MAGNA DE FÁTIMA PEREIRA E OUTROS

    RECORRIDO : PAULO JOSÉ DE OLIVEIRA E OUTRO

    ADVOGADO : CÉZAR AUGUSTO VALADARES DUTRA

    EMENTA

    Civil. Permuta de imóveis financiados pelo SFH, em que cada parte assume o pagamento das prestações da outra, sem transferência dos contratos ou anuência do agente financeiro. Morte de um dos mutuários com a conseqüente quitação do saldo devedor relativo ao imóvel dado em permuta. Equilíbrio contratual. Beneficiamento dos dependentes do falecido.

    - o seguro habitacional tem dupla finalidade: afiançar a instituição financeira contra o inadimplemento dos dependentes do mutuário falecido e, sobretudo, garantir a estes a aquisição do imóvel, cumprindo a função social da propriedade.

    - se o comportamento das partes, desde o início, evidencia a intenção de ambas de manter o equilíbrio do contrato e de se desvincular totalmente do bem dado em permuta, transferindo para o imóvel recebido em troca todas as suas expectativas e esforços de aquisição da tão sonhada “casa própria”, o seguro decorrente do falecimento de um dos mutuários deve vir em benefício de seus próprios dependentes, na proporção do que for pago pela seguradora.

    Recurso especial conhecido e provido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Castro Filho.

    Brasília (DF), 16 de novembro de 2006 (data do julgamento).

    MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    Relatora

    RECURSO ESPECIAL Nº 811.670 - MG (2006⁄0013678-2)

    RECORRENTE : WÂNIA DE SOUZA PESSOA E OUTROS

    ADVOGADO : ANA MAGNA DE FÁTIMA PEREIRA E OUTROS

    RECORRIDO : PAULO JOSÉ DE OLIVEIRA E OUTRO

    ADVOGADO : CÉZAR AUGUSTO VALADARES DUTRA

    RELATÓRIO

    A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

    Cuida-se de recurso especial interposto por WÂNIA DE SOUZA PESSOA e OUTROS, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea “a” da Constituição Federal , contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

    Ação: de conhecimento, ajuizada pelos recorrentes em desfavor de PAULO JOSÉ DE OLIVEIRA e OUTRA, ora recorridos, pleiteando a revisão de cláusula contratual e ressarcimento de valores.

    A primeira recorrente e seu marido firmaram instrumento particular de permuta com os recorridos (fls. 26⁄28), tendo por objeto dois imóveis, ambos financiados, ficando cada parte contratante obrigada a solver as prestações vincendas do financiamento encabeçado pela outra.

    Como ao imóvel dos recorrentes foi atribuído maior valor, os recorridos deram em torna àqueles certo valor em dinheiro.

    Pouco mais de um ano após a permuta, o marido da primeira recorrente faleceu, ocasionando a quitação do financiamento do imóvel dado em permuta aos recorridos, localizado na Rua Antônio Isidoro Moreira.

    Por entender que o falecimento do marido e pai deveria beneficiá-los, e não aos recorridos, os recorrentes pleiteiam a modificação do contrato, para que seja declarada a responsabilidade daqueles pelo pagamento do financiamento do imóvel dado em permuta aos recorrentes, localizado na Rua Roma, desde a quitação do imóvel da Rua Antônio Isidoro Moreira.

    Sentença: julgou parcialmente procedente o pedido, para “condenar os réus a quitar o seu financiamento junto à instituição bancária pertinente, mediante pagamento, aos autores, das parcelas restantes, extinguindo-se a obrigação até onde se compensar com os pagamentos que fizeram pelo financiamento dos autores, persistindo a condenação por eventual diferença em favor destes” (fls. 169⁄181).

    Embargos de declaração: opostos embargos por ambas as partes, a redação da parte dispositiva da sentença foi reformada, para, mantendo a procedência parcial do pedido (fls. 189⁄191):

    “1) condenar os réus a restituir aos autores a quantia que estes pagaram pelo financiamento do imóvel da rua Antônio Isidoro Moreira desde a data da respectiva quitação até a data da propositura desta ação, acrescida de correção monetária pelos índices da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais e juros de mora de 0,5% (meio por cento) ao mês até 11-01-2003 e, desta data em diante, juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, nos termos do artigo 406 do Código Civil de 2002 e artigo 161 , § 1º do Código Tributário Nacional , ambos incidindo a partir da citação;

    2) condenar os réus a restituir aos autores as parcelas do financiamento do imóvel da rua Antônio Isidoro Moreira que vencerem após a propositura da ação até o trânsito em julgado desta sentença, nos termos do artigo 290 do Código de Processo Civil , corrigidas monetariamente e com juros de mora na forma acima consignada.

    O valor a ser restituído corresponderá, portanto, ao efetivamente pago pelos autores e não ao que a seguradora despendeu para a quitação do financiamento do imóvel da rua Antônio Isidoro Moreira.

    3) Havendo débito remanescente após o trânsito em julgado da sentença, condeno os réus a reassumir o pagamento do financiamento do imóvel da rua Roma junto à instituição bancária pertinente, até total liquidação do mesmo financiamento.

    4) Tendo em vista que, ao celebrar o contrato, os réus deram aos autores, como torna, quantia em dinheiro, para nivelar os valores dos imóveis permutados; considerando a possibilidade de que o valor pago pelos réus pelo contato até a quitação do financiamento do imóvel da rua Antônio Isidoro Moreira, seja superior ao total necessário para a quitação do financiamento do imóvel da rua Roma, conforme determinado nos itens 1, 2 e 3, extinguir-se-ão as dívidas, até onde se compensarem.

    O cálculo das parcelas aqui consideradas deverá ser efetuado em sede de liquidação de sentença.”

    Acórdão: houve a interposição de apelação pelos recorridos (fls. 194⁄197), tendo o Tribunal a quo dado provimento ao recurso e julgado improcedentes os pedidos formulados na exordial, nos termos do acórdão (fls. 211⁄221) assim ementado:

    “AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO. LEGITIMIDADE DOS HERDEIROS. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. EQUILÍBRIO CONTRATUAL. CONTRATO DE GAVETA.

    Estando encerrado o inventário, os herdeiros têm legitimidade para propor ação de anulação de ato que lhes cause prejuízo.

    É plenamente possível a pretensão de revisão de cláusula contratual, cabendo ao julgador, ao analisar o mérito, verificar a existência, ou não do direito que foi pleiteado.

    Cabe ao magistrado assegurar o equilíbrio de direitos e deveres nos contratos, para alcançar a justiça e o equilíbrio contratual; para tanto ao verificar que o contrato foi firmado de boa-fé, e que as partes permanecem com obrigações equilibradas e equivalentes, deve negar o pedido de revisão, fazendo prevalecer a vontade que se encontra expressada nos termos originários.”

    Embargos de declaração: opostos mais uma vez por ambas as partes, foram acolhidos apenas para correção de erros materiais de digitação, sendo, de resto, rejeitados (fls. 231⁄236).

    Recurso especial: alegam os recorrentes em suas razões (fls. 241⁄247) que o acórdão atacado:

    (i) violou o art. 4222 doCCC , pois, “a partir do momento que apenas uma das partes arcou com o ônus em benefício da outra, rompeu-se o equilíbrio contratual e a boa-fé que norteou a formação do contrato, não podendo se negar que os recorridos se beneficiaram fartamente no decorrer da execução do contrato às custas dos recorrentes.”;

    (ii) afrontou o art 88484 dCCCC , na medida em que ocasionou o enriquecimento sem causa dos recorridos frente ao falecimento do marido e pai dos recorrentes e em detrimento destes.

    Prévio juízo de admissibilidade: após a apresentação de contra-razões (fls. 252⁄255), a Presidência do Tribunal a quo admitiu (fls. 257⁄259) o recurso especial, determinando a remessa dos autos a esta instância superior.

    É o relatório.

    RECURSO ESPECIAL Nº 811.670 - MG (2006⁄0013678-2)

    RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    RECORRENTE : WÂNIA DE SOUZA PESSOA E OUTROS

    ADVOGADO : ANA MAGNA DE FÁTIMA PEREIRA E OUTROS

    RECORRIDO : PAULO JOSÉ DE OLIVEIRA E OUTRO

    ADVOGADO : CÉZAR AUGUSTO VALADARES DUTRA

    VOTO

    A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

    Cinge-se a controvérsia a determinar quem deve ser beneficiado por indenização securitária paga em decorrência do falecimento de mutuário e utilizado para quitação do próprio imóvel financiando, na hipótese do bem ter sido permutado com outro imóvel, igualmente financiado, tendo os contratantes um assumido o financiamento do outro.

    I - Prequestionamento

    Apesar dos dispositivos legais invocados pelos recorrentes em suas razões não terem sido expressamente mencionados no acórdão objurgado, pode-se tê-los por prequestionados, na medida em que as questões atinentes à boa-fé dos contratantes, à manutenção do equilíbrio contratual, e ao enriquecimento sem causa dos recorridos, foram objeto de manifestação pelo Tribunal a quo.

    II – Da boa-fé na execução do contrato e do enriquecimento sem causa (violação aos arts. 422 e 884 do CC )

    A primeira recorrente e os recorridos celebraram contrato de permuta, tendo por objeto dois imóveis, ambos financiados, ficando cada parte contratante obrigada a solver as prestações vincendas do financiamento titularizado pela outra. O imóvel recebido em permuta pelos recorridos foi financiado pelo Sr. Eustáquio Francisco de Oliveira Pessoa, que veio a falecer, ocasionando a quitação do financiamento.

    Os recorrentes afirmam ter o direito de se beneficiar do seguro de vida do Sr. Eustáquio Francisco de Oliveira Pessoa, por serem eles, respectivamente, esposa e filhos do de cujus.

    Os recorridos, por sua vez, sustentam que, tendo eles assumido o financiamento existente em nome do Sr. Eustáquio Francisco de Oliveira Pessoa, pagando inclusive o prêmio do seguro, passaram a ter direito sobre a respectiva indenização.

    A solução do impasse depende, essencialmente, de se estabelecer a natureza e o alcance do seguro contratado e, nesse contexto, a real vontade das partes ao firmarem o instrumento de permuta de fls. 26⁄28.

    (i) Do seguro habitacional

    De acordo com o art. 7577 doCCC , “pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou coisa, contra riscos predeterminados.”

    O objeto do seguro é o risco. Conforme leciona Silvio Rodrigues, o segurado transfere o risco para terceiros, trazendo para aquele “a tranqüilidade resultante da persuasão de que o sinistro não o conduzirá à ruína, pois os prejuízos, que porventura lhe advierem, serão cobertos pelo segurador.” (Direito civil, v. 3, 29ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003, p. 332)

    No caso específico do seguro de vida, o objeto é o risco da morte involuntária, trazendo ao proponente o conforto de saber que, na sua ausência, os beneficiários por ele indicados terão assegurado o recebimento de uma certa soma que, se não aliviará o sofrimento pela perda de um ente querido, ao menos não os deixará de todo desamparados.

    Sílvio de Salvo Venosa anota que “o seguro de vida é ramo dos mais importantes, dado seu profundo alcance social e cunho alimentar.” (Direito Civil, 6ª ed., São Paulo: Atlas, 2006, p. 365)

    Atento a esse alcance do seguro, somado à própria função social da propriedade, o legislador, ao editar a Lei nº 4.380 ⁄64 , instituidora do sistema financeiro da habitação, estabeleceu, em seu art. 14, que “os adquirentes de habitações financiadas pelo Sistema Financeiro da Habitação contratarão seguro de vida de renda temporária, que integrará, obrigatoriamente, o contrato de financiamento, nas condições fixadas pelo Banco Nacional da Habitação.”

    Esse dispositivo legal desempenha, em verdade, dupla finalidade: afiançar a instituição financeira contra o inadimplemento dos dependentes do mutuário falecido e, sobretudo, garantir a estes a aquisição do imóvel.

    De fato, considerando que, na maioria das vezes, o mutuário é o principal – quando não o único – responsável pelo pagamento das prestações do financiamento, o seguro de vida se mostra fundamental para, na falta daquele, certificar o cumprimento do contrato e assegurar aos familiares do de cujus a propriedade sobre o imóvel.

    Em suma, o seguro de vida obrigatório visa a garantir que os contratos de financiamento habitacional cumpram integralmente sua função social.

    (ii) Da vontade das partes ao firmar o contrato de permuta

    Não resta dúvida de que, ao celebrarem o instrumento de permuta, as partes procuraram manter, ao máximo, a eqüidade.

    Como bem ressaltou o juiz de primeiro grau “percebe-se que o contrato em tela prima pelo equilíbrio estabelecido entre as partes, não atribuindo a qualquer delas ônus ou vantagem que não fosse igualmente atribuída à outra.” (fls. 175)

    No mesmo sentido, a manifestação do Tribunal a quo: “a assunção dos direitos e obrigações decorrentes do contrato foi efetuada de forma equilibrada e com observância do princípio da boa-fé, ocorrendo inclusive pagamento de torna.” (fls. 219)

    Indubitável, portanto, que a vontade das partes foi no sentido de manter a igualdade de condições. Contudo, deixaram de prever, no bojo do instrumento, o evento morte de um dos mutuários e como isso repercutiria na manutenção do equilíbrio contratual.

    De outra banda, igualmente irrefragável que, a partir da celebração do contrato, cada parte recebeu o imóvel dado em permuta como se seu fosse, assumindo inclusive o pagamento das prestações vincendas dos financiamentos.

    Não fosse a burocracia e os ônus adicionais existentes, as partes certamente teriam solicitado a anuência expressa dos agentes financiadores, possibilitando o efetivo registro do contrato de permuta no cartório imobiliário e, por via de conseqüência, a substituição dos mutuários nos financiamentos: a primeira recorrente e seu falecido esposo se tornariam os titulares do financiamento do imóvel da Rua Roma, enquanto os recorridos passariam a encabeçar o financiamento do imóvel da Rua Antônio Isidoro Moreira.

    O acórdão combatido esclarece a opção feita pelas partes, de firmarem um contrato de gaveta: “como os bancos exigem o recálculo para anuir com a venda e com a transferência do valor do financiamento, tornou-se comum a celebração de contratos como o que ampara o pedido inicial, à medida que permite a manutenção do valor das prestações e reajustes, na forma inicialmente contratada.” (fls. 218)

    Seja como for, o fato é que, desde o início, o comportamento das partes evidencia a intenção de ambas de se desvincular totalmente do bem dado em permuta, transferindo para o imóvel recebido em troca todas as suas expectativas e esforços de aquisição da tão sonhada “casa própria”.

    (iii) Do equilíbrio contratual após o falecimento do mutuário

    Cerca de um ano e meio após a permuta, o marido da primeira recorrente faleceu, ocasionando a quitação do financiamento do imóvel dado em permuta aos recorridos, localizado na Rua Antônio Isidoro Moreira.

    Com isso, os recorrentes, além de perderem seu esposo e pai, continuaram obrigados a pagar o financiamento do imóvel da Rua Roma. Os recorridos, por sua vez, foram beneficiados pela quitação do imóvel da Rua Antônio Isidoro Moreira, sem que, para isso, tivesse concorrido a situação de morte involuntária por eles inicialmente segurada.

    Certamente não foi este o proveito vislumbrado pelo legislador ao estabelecer o seguro habitacional obrigatório, tampouco parece ser a situação entrevista pelas partes ao celebrarem os financiamentos originais, muito menos ao firmarem o contrato de permuta.

    Via de regra, o seguro de vida visa a amparar financeiramente os dependentes do proponente – e não terceiros – em virtude do seu falecimento. Tanto que o art. 790 do CC dispõe que, “no seguro sobre a vida de outros, o proponente é obrigado a declarar, sob pena de falsidade, o seu interesse pela preservação da vida do segurado.” Sílvio Rodrigues anota que, sem tal interesse o negócio é nulo, “por se aproximar dos pacta corvina, que são vedados por implicarem um votum mortis.” (op. citada, p. 347)

    No seguro habitacional, o escopo é quitar o financiamento contraído pelo falecido, trazendo conforto para seus próprios familiares.

    Na hipótese dos autos, a despeito dos mutuários terem sido mantidos como titulares de seus financiamentos originais, a vontade por eles manifestada foi no sentido de se sub-rogarem um nos direitos do outro, não havendo como negar que a intenção do Sr. Eustáquio Francisco de Oliveira Pessoa era adquirir a propriedade do imóvel da Rua Roma, bem como que, na eventualidade de sua morte, gostaria que o seguro por ele contratado fosse utilizado na quitação do financiamento pendente sobre este mesmo bem, em benefício de sua família.

    Nem mesmo o fato do pagamento do prêmio do seguro ter sido assumido pelos recorridos se mostra suficiente para garantir-lhes o direito sobre a indenização, posto que os recorrentes, em contrapartida, assumiram o pagamento do prêmio do seguro estipulado sobre o imóvel da Rua Roma, sendo que, tivesse o infortúnio recaído sobre o primeiro recorrido, ele por certo esperaria que a indenização respectiva revertesse em favor de seus dependentes e fosse utilizada para quitação do imóvel da Rua Antônio Isidoro Moreira.

    Sendo assim, deixar que os recorridos se beneficiem de seguro decorrente do falecimento do Sr. Eustáquio Francisco de Oliveira Pessoa, marido e pai dos recorrentes, desvirtuaria a boa-fé e a vontade originalmente manifestada pelas partes, desequilibrando o contrato e abrindo caminho para o enriquecimento sem causa dos recorridos.

    (iv) Dos precedentes do STJ

    Vale ressaltar, por oportuno, a existência de precedente desta Turma (REsp 119.466 ⁄MG, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de 19⁄06⁄00), cujo acórdão foi assim ementado:

    “CIVIL SISTEMA FINANCEIRO DA HABITAÇÃO. 'CONTRATO DE GAVETA'. MORTE DO PROMITENTE VENDEDOR COM A CONSEQÜENTE QUITAÇÃO DO SALDO DEVEDOR DO MÚTUO HIPOTECÁRIO. SUCESSORES QUE SE NEGAM A CUMPRIR O COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA.

    Contrato de gaveta: designação atribuída aos negócios jurídicos de promessa de compra e venda de imóvel realizados sem o consentimento da instituição de crédito que financiou a aquisição; sobrevindo a morte do mutuário-promitente vendedor, os respectivos efeitos prevalecem sobre os do negócio oficial (mútuo hipotecário e seguro), sob pena de enriquecimento sem causa, porque a morte do mutuário⁄promitente vendedor só teve o efeito de quitar o saldo devedor do mútuo hipotecário, porque o prêmio de seguro foi pago pelo promitente comprador.

    Recurso especial conhecido, mas não provido.”

    Todavia, não obstante as circunstâncias fáticas sejam semelhantes às da hipótese dos autos, há uma diferença substancial, que levou o Tribunal a entender que os efeitos da quitação deveriam recair sobre o imóvel cedido: a negociação entre as partes envolveu um único imóvel, que o mutuário prometeu vender a terceiro.

    Nessas condições, tendo o mutuário manifestado interesse em simplesmente vender o imóvel financiado, e não permutá-lo por outro, não havia sentido em beneficiar seus dependentes com o seguro habitacional. O mutuário já havia recebido o pagamento estipulado pelas partes, desvinculando-se do financiamento, de maneira que nem ele nem seus familiares nutriam expectativa sobre aquele imóvel ou sobre qualquer outro.

    Assim, em que pese a similitude fática entre o precedente e a hipótese dos autos, exsurge diferença fundamental, que conduz a soluções diametralmente opostas.

    (v) Do valor a ser repassado pelos Réus

    Finalmente, ainda com vistas a manter a eqüidade do contrato de fls. 26⁄28, não se pode olvidar que o imóvel recebido pelos recorridos é de maior valor, tanto que deram em torna à primeira recorrente e seu falecido esposo, à época, R$ 23.850,00.

    Aliás, conforme salientam os próprios recorrentes, eles optaram pela permuta inclusive para que passassem a pagar prestações menores.

    Também não se pode ignorar que, conforme ressaltado pelos recorridos às fls. 187, “após o óbito de Eustáquio Francisco de Oliveira Pessoa, ocorrido em 24.12.97, os requeridos pagaram a prestação do imóvel até 21.05.98, cujo valor foi levantado pela primeira requerente.”

    Dessa forma, devem ser os recorridos condenados a repassar aos recorrentes quantia equivalente ao débito quitado pela seguradora em decorrência do falecimento de Eustáquio Francisco de Oliveira Pessoa, relativo ao imóvel da Rua Antônio Isidoro Moreira, descontados os valores eventualmente já levantados pela primeira recorrente, conforme noticiado pelos recorrentes às fls. 187.

    Forte em tais razões, conheço e dou provimento ao recurso especial, para julgar parcialmente procedente os pedidos formulados na inicial e condenar os recorridos a pagar aos recorrentes quantia equivalente ao débito quitado pela seguradora em decorrência do falecimento de Eustáquio Francisco de Oliveira Pessoa, relativo ao imóvel da Rua Antônio Isidoro Moreira, descontadas as prestações eventualmente pagas pelos recorridos e levantadas pela primeira recorrente.

    O cálculo dos valores aqui considerados deverá ser efetuado em sede de liquidação de sentença, com a incidência de correção monetária com base nos índices da Corregedoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais e juros de mora de 0,5% ao mês até 11⁄01⁄03 e, desta data em diante, juros de mora de 1% ao mês.

    Em razão da sucumbência recíproca, condeno as partes ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor da condenação, que serão reciprocamente distribuídos, na proporção de 40% para os autores, ora recorrentes, e 60% para os réus, ora recorridos, devidamente compensados.

    Fica suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência de ambas as partes, com supedâneo no art. 12 da Lei nº 1.060 ⁄50 .

    CERTIDÃO DE JULGAMENTO

    TERCEIRA TURMA

    Número Registro: 2006⁄0013678-2 REsp 811670 ⁄ MG

    PAUTA: 16⁄11⁄2006 JULGADO: 16⁄11⁄2006

    Relatora

    Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

    Presidente da Sessão

    Exmo. Sr. Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS

    Subprocurador-Geral da República

    Exmo. Sr. Dr. PEDRO HENRIQUE TÁVORA NIESS

    Secretária

    Bela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

    AUTUAÇÃO

    RECORRENTE : WÂNIA DE SOUZA PESSOA E OUTROS

    ADVOGADO : ANA MAGNA DE FÁTIMA PEREIRA E OUTROS

    RECORRIDO : PAULO JOSÉ DE OLIVEIRA E OUTRO

    ADVOGADO : CÉZAR AUGUSTO VALADARES DUTRA

    ASSUNTO: Civil - Contrato - Permuta

    CERTIDÃO

    Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

    A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Humberto Gomes de Barros, Ari Pargendler e Carlos Alberto Menezes Direito votaram com a Sra. Ministra Relatora.

    Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Castro Filho.

    Brasília, 16 de novembro de 2006

    SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

    Secretária

    DJ: 04/12/2006"

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