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27 de Abril de 2024
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    Competência recursal à luz da Emenda 45

    Publicado por Expresso da Notícia
    há 18 anos

    A redação conferida ao art. 114 da Constituição Federal pela Emenda 45 /04 causou expressiva movimentação de autos da Justiça comum rumo à do Trabalho, que foi reconhecida como a competente para processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho. Essas remessas foram quer dos processos que estavam em primeira instância, quer dos já em segunda, aguardando julgamento de apelação. É certo que esses deslocamentos, em grande parte, foram ritmados pelas decisões do STF e do STJ, que apresentaram alternâncias na interpretação da nova previsão da Lei Maior.

    Não se pode negar ter sido intento da Emenda ampliar a competência dos juízes do trabalho, ainda que não o tenha conseguido (cf . NELSON PALAIA e GLAUCO PEREIRA BARRANCO, “Doença profissional, matéria do juízo cível”, Tribuna do Direito, 142 /31), mas não se pode desprezar o estágio de cada processo, enviando-os às cegas, desprezando o fato de pender de julgamento, na Justiça comum, recurso contra decisão também do Juízo comum.

    Apesar da eficácia imediata das Emendas Constitucionais, bem como das normas processuais, atingindo as demandas em curso, e, ainda, da natureza absoluta da competência material, em se cuidando de recurso pendente de julgamento, a questão há de ser resolvida à luz de outros ingredientes, nem sempre sopesados nas decisões de incompetência.

    Em primeiro lugar, é regra de processo, alçada à dignidade de princípio, aquela que determina que o recurso deve ser dirigido ao tribunal a que está hierarquicamente subordinado o juiz prolator da decisão recorrida. Tanto é assim que, quando a Constituição pretendeu que não o fosse, tratou de criar regra expressa, autorizando o desrespeito à hierarquia, como se vê no inciso II, do art. 108 , conferindo competência aos TRF’s para julgar, em grau de recurso, causas decididas por juízes estaduais, no exercício de competência federal. No silêncio da Constituição , prevalece, portanto, o sistema calcado na hierarquia, pelo qual se outorgam poderes ao órgão superior de rever decisões do inferior.

    A competência que se encontra em discussão, nesses casos, é de natureza funcional e não em razão da matéria, sendo, tanto quanto esta, de ordem pública. CELSO AGRÍCOLA BARBI, depois de indicar que o critério “funcional é extraído da natureza especial e das exigências especiais das funções que o juiz é chamado a exercer num processo” (Comentários ao Código de Processo Civil , Forense, 1981, n. 501, p. 404), arremata, enfatizando que a competência funcional se verifica em dois casos, sendo um deles “quando as diversas funções necessárias em um mesmo processo, ou coordenadas à atuação da vontade de lei, são atribuídas a juízos diferentes, v.g., a atuação do Tribunal para a fase de recurso em processo julgado por juiz inferior” (n. 513, p. 410).

    Da mesma forma, ATHOS GUSMÃO CARNEIRO, que, depois de destacar que a competência em razão da função apresenta-se no plano horizontal e vertical, vai direto ao assunto, dizendo: “no cível, o critério de competência funcional encontra maior aplicação no plano ‘vertical’, na também chamada competência ‘hierárquica’, ou competência recursal” (Jurisdição e Competência, Saraiva, 1982, n. 93, p. 87).

    CÂNDIDO RANGEL DINAMARCO coloca, por sua vez, a verdadeira pá-de-cal no assunto, ensinando: “diz-se funcional a competência quando a lei a determina automaticamente, a partir do simples fato de algum órgão jurisdicional ter oficiado em determinado processo com atividade que de alguma forma esteja interligada com essa para a qual se procura estabelecer qual o juiz competente. Ou seja: ela é a competência decorrente do prévio exercício da jurisdição por determinado órgão. É automática porque nenhum outro elemento, além desse, precisa ser pesquisado na busca do juiz competente: as regras de competência funcionais, residentes na Constituição e na lei, levam em conta a função já exercida num processo, para estabelecer a quem compete algum outro processo interligado ou funcionalmente a este ou a quem compete outra fase do mesmo processo. Por isso é que ela se chama competência funcional.” (Instituições de Direito Processual Civil, Malheiros, 2002, 1o vol., n. 207, p. 433).

    Desse modo, as apelações estavam nos Tribunais da Justiça comum só porque houve, como afirma DINAMARCO, “prévio exercício da jurisdição por determinado órgão”, no caso pelo Juízo comum da Justiça Estadual. Portanto, a Emenda, alterando o art. 114 da Constituição , não é aplicável quando pende de julgamento o recurso, porque ela disciplinou competência material e não funcional.

    Também da previsão do art. 87 do Código de Processo Civil se retira igual conclusão. Nele se prescreve: “determina-se a competência no momento em que a ação é proposta. São irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente, salvo quando suprimirem o órgão judicial ou alterarem a competência em razão da matéria ou da hierarquia.”

    A competência, no caso, estava determinada, quer porque, em observância do devido processo legal, ela se firma no momento da propositura da ação e, aí, estende-se para todo o tramitar do processo, até decisão final; quer porque as regras que regem o processamento do recurso, inclusive a competência para julgá-lo, são as contemporâneas ao momento em que a decisão atacada foi proferida (cf . GUILHERME RIZZO AMARAL, “Novas Competências na Emenda Constitucional n. 45 e Direito Intertemporal”, Revista Magister de Direito Civil e Processual Civil, n. 7 /38 e segs.).

    Competência perpetuada só seria afetada por modificações que importassem na (a) supressão do órgão judicial ou (b) alteração da competência em razão da matéria ou (c) da hierarquia. No caso, o órgão a quem cabe o julgamento do recurso, segundo as regras da data da interposição, não foi suprimido; a competência material que foi modificada é atinente ao juízo de primeiro grau, tanto que a Constituição não regula a competência recursal dos TRT’s; e na competência hierárquica não se mexeu, pois, para isso, necessário seria que houvesse regra de direito intertemporal ou se demarcasse a competência dos tribunais não pela função, mas pela matéria.

    Há, pois, que se entender que as causas pertinentes à relação de trabalho já decididas pela Justiça comum terão que ter o recurso julgado pela Justiça comum, sendo de se enaltecer a mudança na posição do STJ, a partir da solução dada ao CC n. 51712 (rel. BARROS MONTEIRO, DJU 14.09.05), que foi bem abrigada pelo acórdão do RESP n. 717450 , rel. ALDIR PASSARINHO JÚNIOR , que concluiu pela competência (DJU 10.10.2005, p. 390) residual da Justiça comum, até que se esgote o estoque de processos sobre a matéria existente nos Tribunais da Justiça comum.

    *Clito Fornaciari Júnior , é mestre em Direito, advogado em São Paulo e ex-presidente da AASP - Associação dos Advogados de São Paulo.

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