Portador de cegueira em um olho tem isenção de imposto de renda
A pessoa com cegueira irreversível em um dos olhos está livre do pagamento de imposto de renda. O entendimento é do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que manteve a isenção a um aposentado de Mato Grosso. O estado recorreu da decisão, mas a Segunda Turma concluiu que a lei não distingue, para efeitos de isenção, quais espécies de cegueira estariam beneficiadas ou se a patologia teria que comprometer toda a visão. O relator é o ministro Herman Benjamin.
Um odontologista aposentado por invalidez por causa de cegueira irreversível no olho esquerdo ingressou na Justiça para obter a isenção do imposto de renda em relação aos seus proventos. A cegueira irreversível foi constatada por três especialistas na área médica e o laudo atestado pelo Instituto de Previdência do Estado de Mato Grosso (Ipemat). O aposentado, além de pedir a isenção, também pleiteou a restituição do que foi indevidamente retido na fonte por sua unidade pagadora. Teve decisão favorável tanto na primeira quanto na segunda instância.
Para tentar reverter o julgamento, o governo de Mato Grosso entrou com recurso no STJ, alegando que a Lei nº 7.713/1988 não especifica de forma analítica as condições ou os graus de moléstia que poderiam ser considerados para fim de isenção do imposto. Segundo o estado, a isenção deveria ser concedida apenas aos portadores de cegueira total e a lei deveria ser interpretada de forma restritiva e literal.
No julgamento, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT) aplicou a literalidade do artigo 6º, inciso XIV, da Lei nº 7.713/88 , que isenta do pagamento as pessoas físicas portadoras de cegueira, e invocou a preservação da garantia do direito fundamental na interpretação do artigo. Além disso, destacou que a decisão de primeiro grau baseou-se na construção de uma norma jurídica a partir da interpretação do relatório médico e dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade.
O ministro Herman Benjamin lembrou que o Código Tributário Nacional (CTN) prevê a interpretação literal das normas instituidoras de isenção tributária, sendo inviável a analogia. Destacou a Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) da Organização Mundial da Saúde (OMS), na qual são estabelecidas definições médicas de patologias.
Nessa relação, a cegueira não está restrita à perda da visão nos dois olhos. Nesse contexto, a literalidade da norma leva à interpretação de que a isenção abrange o gênero patológico cegueira, não importando se atinge a visão binocular ou monocular, concluiu.
A decisão da Segunda Turma vale para o caso julgado, mas cria um precedente que deve nortear não só outros processos julgados no STJ, como as demais instâncias da Justiça.
Processo nº
Leia, abaixo, a íntegra da decisão:
"AgRg no RECURSO ESPECIAL Nº 1.196.500 - MT (2010/0097690-0)
RELATOR : MINISTRO HERMAN BENJAMIN
AGRAVANTE : ALOÍSIO GARGAGLIONE PÓVOAS
ADVOGADO : FABÍULA LETÍCIA VANI DE OLIVEIRA E OUTRO (S)
AGRAVADO : ESTADO DE MATO GROSSO
PROCURADOR : ADERZIO RAMIRES DE MESQUITA E OUTRO (S)
DECISÃO
Cuida-se de Agravo Regimental interposto contra decisão que deu provimento
ao Recurso Especial nos seguintes termos:
Trata-se de Recurso Especial interposto, com fundamento no art. 105, III, a, da Constituição da República, contra acórdão do Tribunal de Justiça
do Mato Grosso, assim ementado:
RECURSO DE APELAÇÃO - AÇÃO ORDINÁRIA - ISENÇÃO DE IMPOSTO DE RENDA - APOSENTADORIA POR INVALIDEZ - CEGUEIRA IRREVERSÍVEL NO OLHO ESQUERDO - ARTIGO 6º, INCISO XIV DA LEI FEDERAL 7.713/88 - INTERPRETAÇÃO AMPLA AO DISPOSITIVO - PRESERVAÇÃO DAS GARANTIAS FUNDAMENTAIS - RECURSO IMPROVIDO.
Conforme literalidade do artigo 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88 , ficam isentos do imposto de renda os rendimentos percebidos por pessoas físicas portadoras de cegueira, com base em conclusão da medicina especializada.
O propósito do legislador, bem como a própria interpretação a ser dada ao dispositivo, é de preservar garantias de direito fundamental. Desse modo, a precisão jurídica da norma, aliada ao seu viés social, garantem-lhe densidade suficiente para fixar medidas protetoras ao cidadão. Nessa esteira, extrai-se a real declaração do dispositivo: os rendimentos percebidos por pessoa física portadora de cegueira, ainda que parcial, estão isentos de imposto de renda, sem qualquer outra condicionante. (fl. 228, e-STJ)
Não houve Embargos de Declaração.
O recorrente afirma que houve ofensa ao art. 6º, XIV, da Lei 7.713/1988 . Sustenta:
Conquanto o texto do artigo 6º, inciso XIV não especifique de forma analítica as condições ou os graus de moléstia que poderiam ser considerados sob esse título para a finalidade de isenção do tributo, deve-se enfatizar que, nos termos do artigo 111, inciso II, do Código Tributário Nacional , deve-se atribuir interpretação restritiva e literal à consideração das causas justificadoras das isenções dos tributos (...) fl. 246, e-STJ, grifo no original.
Transcorreu in albis o prazo para apresentação de contra-razões
(certidão de fl. 257, e-STJ).
É o relatório.
Decido.
Os autos foram recebidos neste Gabinete em 22.10.2009.
A controvérsia essencial cinge-se a definir se é possível ou não a concessão da isenção do Imposto de Renda a pessoa física portadora de visão monocular.
No art. 6º da Lei nº 7.713, de 22 de dezembro de 1988 , dê-se ao inciso XIV nova redação e acrescente-se um novo inciso de número XXI, tudo nos seguintes termos:
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguinte rendimentos percebidos por pessoas físicas:
(...)
XIV - os proventos de aposentadoria ou reforma, desde que motivadas por acidente sem serviços, e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose-múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia
grave , estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma; (grifei)
Consoante o citado comando legal, os portadores de cegueira são isentos do pagamento do Imposto Sobre a Renda. O voto condutor do acórdão recorrido, ao analisar as provas e documentos acostados aos autos, entendeu que o recorrido detém direito de não recolher o imposto sobre a renda, uma vez que foi acometido de cegueira parcial, irreversível no olho esquerdo, impossibilitando-o de trabalhar na sua função de odontólogo, concedendo-lhe aposentadoria por invalidez com direito a proventos integrais (fl.231- e-STJ). Confira-se o trecho do aresto impugnado, in litteris :
Tem-se, no caso, que o magistrado a quo não se pauta apenas à aplicação simplista da regra, mas, sim, na construção da norma jurídica a partir da interpretação de acordo com o relatório médico e adotando a regra da proporcionalidade e razoabilidade, prevalecendo os direitos fundamentais consagrados pela Constituição Federal. (fl. 231, e-STJ)
O propósito do legislador, bem como a própria interpretação a ser dada ao dispositivo acima, é de preservar garantias de direito fundamental. Desse modo, a precisão jurídica da norma, aliada ao seu viés social, garantem-lhe densidade suficiente para fixar medidas protetoras ao cidadão. (fl. 232, e-STJ)
A obrigação do jurista é de adequar o fato à lei da melhor maneira, adequando-a aos princípios de justiça e aos direitos fundamentais, aos quais são dotados de qualidade de norma jurídica e plena eficácia. (fl. 232, e-STJ)
É cediço que as normas instituidoras de isenção ( art. 111 do Código Tributário Nacional ), por preverem exceções ao exercício de competência tributária, estão sujeitas à regra de hermenêutica que determina a interpretação restritiva dada à sua natureza. Sendo assim, não prevista, expressamente, a hipótese de exclusão da incidência do Imposto de Renda, incabível fazê-lo por analogia.
A isenção do IR ao contribuinte portador de moléstia grave se conforma à literalidade da norma, que elenca de modo claro e exaustivo as patologias que justificam a concessão do benefício, não sendo facultado ao Judiciário, em atividade legislativa, criar novas hipóteses para acesso ao favor fiscal.
Nesse sentido:
TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. SERVIDOR PÚBLICO EM ATIVIDADE, PORTADOR DE MOLÉSTIA GRAVE. ART. 6º DA LEI 7.713/88 . BENEFÍCIO RECONHECIDO A PARTIR DA APOSENTADORIA. ART. 462 DO CPC . APRECIAÇÃO DE JUS SUPERVENIENS EM INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. POSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA.
1. A isenção tributária é concedida somente mediante a edição de lei formal específica, nos termos do art. 97, VI, do CTN , cujos requisitos devem ser observados integralmente, para que se efetive a renúncia fiscal.
2. O conteúdo normativo do art. 6º, XIV, da Lei 7713/88 , é explícito ao conceder o benefício fiscal em favor dos aposentados portadores de moléstia grave.
3. Consectariamente, tem-se a impossibilidade de interpretação das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido de descaber a extensão do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN . (Precedentes: REsp
778.618/CE, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, DJ
28.04.2006 ; RMS 19.597/PR, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO,
PRIMEIRA TURMA, DJ 20.02.2006; REsp 819.747/CE, Rel.
Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA
TURMA, DJ 04.08.2006) (...) (REsp 907.236/CE, Rel. Ministro
LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 06/11/2008, DJe 01/12/2008, grifei)
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO.
RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 535, II, DO CPC . INEXISTÊNCIA. IMPOSTO DE RENDA. ART. 6º DA LEI N. 7.713/88 . SERVIDOR PÚBLICO EM ATIVIDADE. PORTADOR DE CARDIOPATIA GRAVE. INEXISTÊNCIA DE ISENÇÃO. ART. 111, INCISO II, DO CTN . PRECEDENTES.
(...)
3. Segundo a exegese do art. 111, inciso II, do CTN , a legislação tributária que outorga a isenção deve ser interpretada literalmente.
4. Recurso especial parcialmente provido. (REsp 819.747/CE, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, SEGUNDA TURMA, julgado em 27/06/2006, DJ 04/08/2006 p. 302, grifei)
TRIBUTÁRIO - PROCESSO CIVIL - PIS - RECEITAS DECORRENTES DE VENDAS PARA
EXPORTAÇÃO - EMPRESAS COMERCIAIS EXPORTADORAS - EXTENSÃO ÀS TRADING
COMPANIES - IMPOSSIBILIDADE - ISENÇÃO -
INTERPRETAÇÃO LITERAL - ATO DECLARATÓRIO
NORMATIVO - NORMA COMPLEMENTAR -
INOBSERVÂNCIA - CONDUTA DIVERSA.
(...)
2. Normas tributárias que impliquem em renúncia
fiscal interpretam-se restritivamente.
(...)
4. Recurso especial não provido. (REsp
1074015/PR, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA
TURMA, julgado em 25/08/2009, DJe 14/09/2009, grifei)
A perda da visão do olho esquerdo, em decorrência de acidente em serviço, embora tenha incapacitado o recorrido para sua atividade profissional, não é suficiente para comprometer integralmente sua saúde de forma a impor-lhe uma incapacidade plena para todo e qualquer trabalho na vida civil.
Diante do exposto, nos termos do art. 557, § 1º-A, do CPC , dou provimento ao Recurso Especial, anulando a sentença em seus termos.
Publique-se. Intimem-se.
O agravante sustenta, em suma, que o art. 6º, XIV, da Lei 7.713/88 , norma garantidora da isenção, não pode ser interpretado literalmente. Afirma que"a interpretação literal e restrita do dispositivo legal não permite ao julgador especificar qual tipo de cegueira, ou seja se total ou parcial, temporária ou permanente, podendo-se concluir que todas são consideradas graves a exemplo das demais doenças contidas na Lei"(e-STJ, fl. 277).
É o relatório.
Decido.
Os autos foram recebidos neste Gabinete em 15.9.2010.
Diante das razões trazidas no recurso, reconsidero a decisão agravada, para torná-la sem efeito e determinar, em momento oportuno, a inclusão do feito em pauta de julgamento.
Publique-se.
Intimem-se.
Brasília (DF), 28 de setembro de 2010.
MINISTRO HERMAN BENJAMIN
Relator"
2 Comentários
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Parabéns para pessoas tão humanas como o Ministro Herman Benjamin e vários outros que isentaram os monoculares do IRPF pois, nós monoculares sabemos bem o que significa enxergar com apenas um olho, sendo limitado em todos os aspectos, e os nossos exames oftalmológico são caros, e não temos auto confiança em dirigir, em andar sozinha na rua pois, normalmente esbarramos nas pessoas do lado do olho cego... emfim, gostaria que a pessoa que julga que não merecemos ser isentos ... ir com um olho tampado correr atraz dos seus direitos... ou simplesmente testar por algumas horas, tampar um dos olhos... Obrigada, pela oportunidade de expressar o que sinto... continuar lendo
que bom que a justiça reconheceu como cegueira o cego monocular. minha mae é portadora de glaucoma e perdeu totalmente a visao do olho esquerdo obrigandoa a deixar de dirigir para atenderme em minhas necessidades,tais como, consultas medicas, fisioterapias etc etc, ja que sou CADEIRANTE. Com isso, nossas despesas aumentaram com o aluguel de taxis.Agora vamos solicitar a isençao de imposto de renda. grata, alessandra de moura continuar lendo